Leite - alergia ou intolerância? |
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No dia 1 de junho celebrou-se o Dia Mundial do Leite. Vamos aproveitar a data para esclarecer uma dúvida muito comum - qual a diferença entre a alergia e a intolerância ao leite de vaca? Para começar, precisamos de entender estes dois conceitos. |
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O que é uma alergia alimentar? A alergia é uma resposta exagerada do nosso sistema imunitário a uma determinada substância, a que chamamos de alergénio. Um alergénio pode ser qualquer coisa - parte de um alimento, de uma planta, de um animal, de um detergente ou até de um medicamento. É uma substância estranha ao nosso corpo que, na maioria das pessoas, não provoca nenhuma reação. Contudo, o organismo de quem herda esta tendência para desenvolver alergias (indivíduos atópicos) encara-a como uma ameaça. Os alimentos são exemplos de substâncias externas ao nosso corpo, com as quais contactamos todos os dias. Quem sofre de uma alergia alimentar nota uma reação imediata ou poucos minutos após a ingestão. Basta uma pequena quantidade do alimento em questão para desencadear sintomas. Muitas vezes, apenas o cheiro ou o toque são o suficiente para provocar a alergia. Habitualmente afeta a pele e mucosas, com urticária (manchas avermelhadas que dão muita comichão), angioedema (inchaço das pálpebras, lábios, mucosas…) e síndrome de alergia oral (inchaço, comichão e/ou sensação de formigueiro nos lábios, língua e cavidade oral). Se a reação for mais grave, pode afetar outros sistemas - respiratório (corrimento nasal, falta de ar, pieira/”gatinhos”…), gastrointestinal (náuseas, vómitos, refluxo, dores abdominais, diarreia…) e/ou cardiovascular (diminuição da pressão arterial, palpitações, perda de consciência…). Estamos então perante uma reação anafilática - uma situação perigosa, que se desenvolve rapidamente e pode ser fatal. As reações imediatas resultam de uma ativação rápida do sistema imunitário, com produção de grandes quantidades de imunoglobulina E/IgE (anticorpo relacionado com as alergias, entre outros), que vão desencadear uma resposta inflamatória, com libertação de histamina - substância que provoca a maioria dos sintomas. Também podem surgir reações retardadas, relacionadas com a ativação de outro tipo de células. As alergias alimentares são mais frequentes na infância, mas podem surgir em qualquer idade. |
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O que é uma intolerância alimentar? Ao contrário das alergias, as intolerâncias alimentares não estão relacionadas com uma resposta imunitária. As intolerâncias surgem quando o corpo não consegue processar determinada substância, habitualmente proteínas ou açúcares complexos naturalmente presentes nos alimentos, como a lactose, a frutose, a sacarose, o amido ou o glúten. Durante a digestão, várias enzimas permitem quebrar estas substâncias complexas, transformando-as noutras mais simples, de forma a que possam ser absorvidas. Quando há problemas na produção de determinada enzima, a substância correspondente não é absorvida e acumula-se a nível intestinal, provocando náuseas, vómitos, dores abdominais, barriga inchada, gases e/ou diarreia. Os sintomas estão diretamente relacionados com a quantidade ingerida, ou seja, quanto maior a quantidade da substância/alimento, mais intensos serão os sintomas. |
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E em relação ao leite de vaca? Em relação ao leite de vaca, existem duas entidades clínicas diferentes - a Alergia às Proteínas do Leite da Vaca (APLV) e a Intolerância à Lactose (IL). Ambas são frequentes em idade pediátrica. A Alergia às Proteínas do Leite da Vaca (APLV) é uma reação imunitária exagerada a proteínas presentes no leite da vaca (caseína e lactoproteínas), que o organismo encara como uma ameaça. É a alergia alimentar mais frequente nos primeiros anos de vida. É habitualmente transitória, sendo poucos os casos que persistem após o 2º ano de vida. A apresentação da doença é muito variada, entre sintomas ligeiros a graves e reações rápidas a tardias. No entanto, o mais comum é manifestar-se entre os primeiros 30 minutos e até 2h após a ingestão do alimento. Surge quando o leite de vaca é introduzido na dieta mas, em alguns casos mais raros, pode surgir em lactentes sob aleitamento materno exclusivo - acredita-se que algumas destas proteínas, ingeridas pela mãe, possam passar para o leite materno. Para além das manifestações habituais das alergias alimentares, pode haver uma má evolução do peso da criança, recusa alimentar, regurgitação, obstipação com eritema perianal e sangue oculto nas fezes. Já a Intolerância à Lactose (IL), resulta da dificuldade do organismo em digerir a lactose - um tipo de açúcar naturalmente presente no leite de vaca. É um açúcar complexo que, para ser absorvido, precisa de ser dividido em açúcares mais simples. Para tal, precisamos de uma enzima chamada lactase, presente no intestino delgado, que quebra a lactose em glicose e galactose. Os indivíduos com IL produzem pouca ou nenhuma quantidade de lactase, pelo que a lactose não é digerida e acumula-se a nível intestinal, provocando desconforto abdominal, diarreia, entre outros. A IL desenvolve-se com a idade, sendo mais comum nos adultos e raramente afeta crianças com menos de 2-5 anos. O défice de produção da lactase pode ser primário ou surgir após quadros de diarreias graves e persistentes (devido a infeções, doença celíaca, doença inflamatória intestinal, quimioterapia, ...). |
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Como é feito o diagnóstico? O fundamental para identificar qualquer uma das situações é uma boa história clínica. O médico vai precisar de informação detalhada quanto aos alimentos envolvidos, tipo e duração dos sintomas e outros fatores relacionados, como a prática de exercício físico e a toma de certos medicamentos. Nos mais pequenos, é importante saber se foi introduzido recentemente leite adaptado (fórmula de leite em pó para lactentes). Pode ser necessário o preenchimento de um diário alimentar, com a descrição dos alimentos ingeridos, sintomas e atividades realizadas ao longo do dia. Consoante a avaliação, pode ser realizada uma Dieta de Eliminação, isto é, eliminar os alimentos suspeitos (com proteínas do leite de vaca ou lactose da dieta, e verificar se há resolução total das queixas). Se houver suspeita de alergia, o utente pode ser encaminhado para consulta de Imunoalergologia para serem realizados testes cutâneos por picada (prick-tests) e/ou doseamento de IgE específicas no sangue. Um teste positivo ou negativo não é suficiente para confirmar ou excluir a doença, pelo que é necessária uma avaliação detalhada em conjunto com a história clínica. Pode ser realizada uma Prova de Provocação Oral para confirmar o diagnóstico, em que são ingeridas quantidades cada vez maiores do alimento suspeito - esta prova é realizada em meio hospitalar, sob vigilância médica. Excecionalmente, pode ser necessário recorrer a outros exames complementares, como uma endoscopia com biópsia da mucosa intestinal. Se a intolerância é a causa mais provável, podem ser realizados exames mais específicos, como a pesquisa de algumas substâncias nas fezes e no ar expirado. |
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Qual o tratamento? O tratamento da APLV passa por não ingerir ou não contactar com proteínas do leite de vaca, podendo ser introduzidas na dieta proteínas modificadas/fragmentadas ou bebidas substitutas, como os leites vegetais. A evicção deve ser estrita, pois pequenas quantidades do alergénio podem ser suficientes para desencadear reações muito graves e potencialmente fatais. O doente, familiares e amigos devem estar atentos para alimentos que possam conter leite ou seus derivados e ter cuidado ao preparar as refeições, para evitar contaminação. É ainda importante alertar os funcionários de estabelecimentos de restauração e similares. Também devem ser evitados produtos com leite de cabra e ovelha, pelo risco de reatividade cruzada (quando substâncias muito parecidas desencadeiam a reação alérgica). Em alguns casos, a mãe pode ter a indicação de manter estas restrições alimentares, de forma a evitar que algumas das proteínas passem para o leite materno. O tratamento do episódio agudo pode envolver anti-histamínicos, broncodilatadores e corticoides. Perante doença grave (anafilaxia), deve ser prescrito um dispositivo para autoadministração de adrenalina e pode ser tentada a indução de tolerância oral, em meio hospitalar. Já na Intolerância à Lactose, devem ser evitados os alimentos que contenham lactose. A maioria dos indivíduos não necessita de uma dieta rigorosa, pelo que a alimentação deve ser adaptada à tolerância de cada um. É fundamental distinguir as duas doenças, para evitar dietas restritivas desnecessárias e prejudiciais. A dieta deve ser planeada para evitar défices nutricionais. Para além da avaliação habitual pelo médico de família, pediatra e/ou imunoalergologista, pode ser necessário o acompanhamento por parte de um nutricionista. A alimentação deve ser rica em fontes alternativas de cálcio - vegetais de folha verde (couves, brócolos, espinafres), leguminosas (vários tipos de feijões), frutos secos (nozes, amêndoas) ou frutos desidratados (figos, ameixas). |
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Quais os produtos a evitar? O principal foco no tratamento de ambas as condições é evitar alimentos com leite de vaca ou derivados do mesmo. O leite de vaca pode estar disfarçado em diferentes produtos, principalmente os mais processados, pelo que é fundamental ler os rótulos com muita atenção. Nem sempre encontramos referência direta ao leite na lista de ingredientes, encontrando-se escondido, por exemplo, nas natas ou na manteiga. Nota importante - um alimento vegetariano pode conter leite ou derivados! Exemplos de produtos a evitar: - Leite de vaca → Em qualquer forma, incluindo leite condensado, derivado, evaporado, desnatado e em pó.
- Derivados do leite de vaca → Iogurtes, natas, queijos, requeijão, manteigas…
- Leite de cabra ou ovelha → E seus derivados, incluindo queijos.
- Produtos de padaria e pastelaria → Pão de forma, pão de leite, pão tipo brioche, croissants, diversos tipos de bolos, …
- Doçaria → Leite-creme, arroz-doce, pudim flan, baba de camelo, gelados, chocolates, caramelos, …
- Sopas → Cremes de legumes ou marisco.
- Molhos → Molho béchamel, molhos para carne ou peixe, molhos para saladas.
- Pratos salgados → Gratinados, tartes ou quiches, pizzas, lasanhas, massas, alimentos fritos, puré de batata.
- Carnes processadas → Fiambre, salsichas, …
- Suplementos proteicos → Produtos com caseína / casein / whey.
- Produtos com lactalbumina e lactoglobulina
- Outros → algumas batatas fritas, algumas margarinas vegetais.
ATENÇÃO: - Na APLV o leite de vaca deve ser evitado totalmente, enquanto que na IL pode ser consumido leite sem lactose. - Um produto “sem lactose” não é necessariamente seguro para uma pessoa com APLV. - Alguns medicamentos apresentam lactose na sua constituição. Que alimentos substitutos existem? Como a APLV habitualmente manifesta-se no 1º ano de vida, após a introdução de produtos com leite de vaca, é importante encontrar alternativas. Alguns produtos substitutos são: - Leite materno.
- Leite extensamente hidrolisado → Leite em pó com as proteínas do leite de vaca extensamente hidrolisadas/fragmentadas, de forma a reduzir o estímulo para a reação alérgica.
- Papas não lácteas → Papas para misturar com o leite do bebé (e não com a água). É importante ler os rótulos, porque algumas podem conter uma pequena quantidade de leite.
- Bebidas ou fórmulas para lactentes baseadas em proteínas de origem vegetal → Soja, arroz, aveia, coco, amêndoa, avelã, espelta, quinoa, kamut, semente de cânhamo, linhaça, …
- Todos os alimentos que, na sua composição, não contenham proteínas de leite de vaca.
Quadro Resumo |
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Elaborado por: 🌻 Dra. Sara Pinto 🌻 Rute Santos |
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