Por Frederico Moura 23 de setembro de 2020 |
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No filme "Margin Call - O Dia Antes do Fim" (oscar de melhor roteiro original - 2012), o personagem de Jeremy Irons diz que existem três meios para ganhar dinheiro no mercado financeiro: ser o primeiro (ou o mais rápido), ser o mais inteligente ou trapacear. Veja a cena abaixo. |
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Será que podemos usar esta regra para vencer uma doença? |
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Posso garantir que "ser o primeiro", ou melhor, mais rápido do que a doença é uma forma eficaz de vencê-la. Isso é sinônimo de "diagnóstico precoce" e você sabe bem o poder disso. Se voce considerar que a história natural de uma doença começa pelo pródromo e vai em direção ao fim (que pode ser cura espontânea, uma sequela grave ou a morte), ser mais rápido é impedir que ela atinja o seu fim a partir do diagnóstico e tratamento precoce. Veja o caso abaixo como exemplo. |
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Este paciente (homem, 22 anos) apresentou discreto embaçamento visual do olho esquerdo associado a edema do nervo óptico (Foto). Ao exame clínico, acuidade visual era 20/20 e não apresentava defeito pupilar aferente relativo. Isso nos fez pensar em outro causa que não neurite óptica (nem qualquer neuropatia óptica). Ressonância magnética foi normal confirmando nossa suspeita. OCT mostrou uma lesão na coróide subjacente ao nervo óptico (Foto-setas amarelas). PPD foi 16 mm. Diagnóstico final: coroidite por tuberculose. Realizou o tratamento RIPE e evoluiu com melhora da visão. |
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Percebe que este paciente teve uma doença (tuberculose ocular) que na maioria das vezes demora ser diagnosticada e acaba evoluindo para grave sequela visual ou sistêmica. Felizmente, o diagnóstico foi feito antes mesmo de acometer a visão. |
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Outro exemplo: Paciente (Mulher, 58 anos) veio ao pronto-socorro devido à queda da pálpebra esquerda (Foto). Quando questionada, confirmou que tinha cefaleia inédita de leve intensidade do lado esquerdo. O exame clínico mostrou que ela apresentava anisocoria mais evidente no escuro. Em associação com a ptose, este quadro configura síndrome de Horner (SH). Quando a SH está associada a dor ocular ou cefaléia, é urgente investigar uma dissecção da artéria carótida interna. No final, este foi o diagnóstico. Novamente, conseguimos ser mais rápido que a doença. |
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Talvez seja difícil imaginar como poderíamos ser mais inteligente do que uma doença sendo esta uma condição e não um ser vivo pensante. Mas se você aceitar que a doença é um criminoso (de certa forma é pois tenta tirar algo de nós) e que o criminoso costuma usar a inteligência para evitar ser descoberto, as formas atípicas de apresentação de uma doença são uma tentativa dela não ser descoberta. Para vencê-la, você terá que ser mais inteligente. O caso abaixo é um exemplo disso. |
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Homem, 55 anos, com perda visual súbita e indolor do olho direito. Foi percebida ao acordar. Dizia que a perda visual começou na parte inferior e depois acometeu todo o campo visual (Figura - antes do acometimento completo). Tinha hipertensão arterial controlada com medicações. Acuidade visual conta dedos do olho direito e 20/20 do olho esquerdo. Defeito pupilar aferente relativo a direita confirmava a neuropatia óptica. Diante destas informações (idade, HAS, perda visual súbita, indolor e ao acordar e defeito altitudinal), neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica era o diagnóstico mais provável. Esperávamos encontrar um nervo óptico sem escavação compatível com este diagnóstico. Para nossa surpresa, a escavação era bem ampla em ambos os olhos (Figura). Pressão intraocular: 14/16 mmHg. RM mostrou realce do nervo óptico após contraste sugestivo de neurite óptica (Figura). Neurite óptica atípica sugere neuromielite óptica. A pesquisa do AQP4 foi positivo confirmando este diagnóstico. Fomos mais inteligente do que a doença ao não nos deixarmos ser enganados e perceber a falha no disfarce dela: a escavação ampla! |
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Por fim, a trapaça. Não sei se você sabe, mas eu não sei como trapacear uma doença. Não termina bem tentar fingir que conseguiu diagnosticar uma doença ou que está tratando de forma correta (isso é muito comum quando o paciente não segue o tratamento). Se voce souber como trapaceá-la, me diga. Na verdade, acho que é impossível trapacear uma doença. Tanto que eu costumo dizer aos meus pacientes que a gente consegue enganar todas as pessoas no mundo , inclusive nós mesmos...menos Deus e as doenças. |
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Referências: 1. Miller, Neil R.; Newman, Nancy J. Walsh & Hoyt's Clinical Neuro-Ophthalmology, 6th Edition, 2005. 2. Margin Call - O Dia Antes do Fim. 2011. Direção: J. C. Chandor.[2]. Wikipedia |
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Dia a dia da Neuroftalmologia | | |
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