A utopia está lá no horizonte.

Eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.

Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.

Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.

Para que serve a utopia?

Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

 

Eduardo Galeano  

Gostaríamos de explicar aos nossos leitores, novos ou antigos, os objetivos do CETRANS Interativo – CI@, bem como sua estrutura e organização que foi mudando ao longo desses quase 14 anos de existência. Sua configuração atual se compõe de sessões formativas e informativas de inteira responsabilidade da Coordenação do CETRANS, bem como de duas sessões de expressão pessoal e sempre assinadas pelos autores.

 

O CETRANS Interativo – CI@, virtual, tem sempre um objetivo duplo: o de trazer textos que ajudem no aprimoramento da formação transdisciplinar de um lado; de outro, o de informar os leitores de ações importantes de cunho TD, reflexões sobre assuntos diversos, divulgação da agenda prospectada para a próxima estação, difusão de eventos culturais relevantes para o cultivo transdisciplinar. Em cada sessão deste boletim, colocamos uma explicação da sua função, objetivo e autoria para facilitar a compreensão da sua organização.

CETRANS HOJE

CETRANS HOJE:  expressa o marco do momento para o CETRANS seja ele ontológico, epistêmico, lógico ou metodológico. Pode também incluir fatos marcantes que relacionem a razão sensível, experiencial ou formal vivenciados na estação ou prospectados para estação futura. Esta sessão deve de alguma maneira ajudar a aprofundar ou dar insights sobre atitude, pesquisa ou ação transdisciplinar.

O Centro de Educação Transdisciplinar – CETRANS do Brasil junto com os comitês que organizaram o III Congresso Mundial de Transdisciplinaridade/ modalidade virtual, o Centro de Transdisciplinariedad y Complexidad – TRANSCOMPLEXA, do México; a Cátedra Transdisciplinar UNESCO/ Desenvolvimento Humano e Cultura da Paz da Universidade de Florença – CTU; o Centre International de Recherches et Études Transdisciplinaires – CIRET de Paris, apresentaram no dia 9 de dezembro, no encerramento oficial do Congresso, uma Avaliação Apreciativa Transdisciplinar  deste evento que se realizou de 30 de outubro de 2020 a 30 de outubro de 2021 e a preparação de sua versão híbrida prevista para 31 de outubro a 7 de novembro de 2022, que foi cancelada devido a contingências financeiras, econômicas e de saúde decorrentes da crise global causada pela pandemia de COVID e pela guerra na Ucrânia.

 

A intenção do Comitê Internacional do Congresso  foi apresentar uma avaliação apreciativa das atividades do III CMTD/v para facilitar a compreensão deste evento, relatar o processo de observância/ compliance, fomentar ações futuras que tenham caráter transdisciplinar mundial e atender requisitos da TD de acordo com as atitudes transdisciplinares de Abertura, Rigor e Tolerância, conforme enunciadas no artigo 14.º da Carta da Transdisciplinaridade, sem nunca perder de vista a crucialidade do horizonte de inovação.

 

O documento de encerramento foi elaborado a muitas mãos e é o resultado de uma aguda observação e apreciação de como as 46 semanas de atividades foram experienciadas e o que se mostrou do ponto de vista epistemológico, metodológico, hermenêutico e ontológico.

 

A observação dos elementos emergentes temáticos e dinâmicos relacionais foi fundamental para a elaboração do documento final, bem como a percepção de potencialidades a serem atualizadas. O propósito não foi fazer uma síntese do III CMTD/v, nem uma convergência de ideias.

 

A apreciação feita emergiu a partir destes questionamentos: “O que ouvimos? O que encontramos? O que foi desvelado? O que foi percebido nas 46 semanas do III CMTD/v está expresso da seguinte forma: I) Introdução; II) Epistemologias e Ontologias; III) Teorias e Metodologias Transdisciplinares; IV) Modelos e Categorias na Transdisciplinaridade; V) Aplicação da Transdisciplinaridade na Investigação e na Vida; VI) Dados e Estatísticas; VII) Horizontes da Transdisciplinaridade: Caminhos Abertos e Ponte para o IV Congresso de Transdisciplinaridade; VIII) Resumo da Observância / Compliance do III CMTD/v; IX) O Futuro da Transdisciplinaridade e X) Declaração.”

 

Quem quiser ler esses documentos na integra e assinar a Declaração do México seguir os links:

 

Avaliação 

https://www.tercercongresomundialtransdisciplinariedad.mx/br/avaliacao-do-iii-congresso-mundial-de-transdisciplinaridade/

 

Declaração do México 

https://www.tercercongresomundialtransdisciplinariedad.mx/br/declaracao-do-mexico/

ACONTECÊNCIAS

Acontecências: divulgação de ações de relevância de natureza TD feitas por membros ou não, nacionais ou internacionais.

A UNITRANSD participará da Comissão Mundial de Transição ao IV Congresso Mundial de Transdisciplinaridade - IVCMT com a esperança de auxiliar em duas realizações a serem entregues ao Comitê Internacional do mesmo:

 

1. A construção de um Programa Mundial de Formação Transdisciplinar para a Humanização do Mundo e 2: A criação da Associação Mundial da Transdisciplinaridade.

 

Na primeira, esperamos contribuir com os conteúdos: a) do histórico da TD, em especial dos três Congressos Mundiais, com seus documentos fundadores e com a base de dados Fluxus de Palavras; b) de uma formação inicial em torno das obras de Nicolescu, Morin e Lupasco; e c) de uma formação humanista para políticas públicas que atendam a transição ecológica e cultural nas cidades com suas economias e organizações.

Na segunda, esperamos contribuir com a consolidação da Rede Mundial de Pesquisadores, através da plataforma TD Nexus; com a elaboração de um Programa Mundial de Pesquisa TD, a partir das comunidades afins e com a criação de um Fundo Social Mundial de apoio a Projetos e Economias humanizadoras do mundo da vida em comum.

O Grupo Morada das Tradições apresentou no dia 15/12 p.p. um estudo sobre as tendências da energia para o ano de 2023, segundo o ponto de vista de algumas Tradições Espirituais da humanidade.

Esse evento foi transmitido ao vivo pelo Youtube da Morada das Tradições e apresentado pelo Dr. Juarez Gurdjieff, membro CETRANS e facilitador dos grupos de estudos e grupos terapêuticos transdisciplinares. Na mesma noite foi realizado sorteio de quadros, pintados pelas artistas Albertina Prates e Marilde Mafra. Sua renda será destinada à continuidade do trabalho social que o grupo implementa e início da organização do evento que será realizado no próximo ano com o tema "Arte e Espiritualidade"..  

 

Para assistir a palestra do Dr. Juarez, acesse esse link ou o site  moradadastradicoes.com.br  

Programa Raízes da União de Educação Ambiental - Monica Simons

 

Fazer uso dos recursos hídricos como algo vital para uma vida saudável X não fazer uso deles inviabilizando a vida... Na Lógica do Terceiro Incluído, conciliando estas duas pontas, entramos no mérito da sensibilização para o uso responsável da água. Com este mote, atrelado ao plantio de 1 milhão de mudas da mata nativa nos próximos 5 anos, vimos trabalhando desde o CEAG – Centro de Educação Ambiental de Guarulhos, como consultores, no Programa Raízes da União de Educação Ambiental desenvolvido pela União Química Farmacêutica, desde 2020, junto a rede pública de ensino.

Dezenas de gestores, centenas de educadores e milhares de estudantes do Ensino Fundamental de escolas municipais de Embu Guaçu e Taboão da Serra em SP e Pouso Alegre em MG, vem vivenciando diversas linhas de ação para ampliar conhecimentos sobre o tema para assumir a corresponsabilidade do uso sustentável da água. Esse trabalho tem contribuído com o cumprimento da Agenda 2030, abordando temas como bacias hidrográficas, água virtual, consumismo, matas ciliares, dentre outros. 

No desenvolvimento do Programa é sempre uma enorme alegria perceber a gradativa mudança dos participantes que passam a adotar posturas de respeito e cuidado com o meio ambiente e os recursos naturais.   

 

Para ver o vídeo do Programa Raízes da União de Educação Ambiental, clique neste link

Para refletir sobre utopia ou utopias?

 

Martha de Lima

 

O povo catarinense esteve recentemente experimentando as travessuras do clima em Santa Catarina. As comunidades periféricas e as terras indígenas foram afetadas drasticamente com grande perda para muitas famílias.  E, neste contexto, gostaria de analisar a relevância das presenças de lideranças indígenas que se apresentaram nas duas maiores conferências sobre o clima que ocorreram em 2022: na 27ª Conferência do Clima da ONU - COP27 e na Conferência da ONU sobre Biodiversidade - COP15. 

 

  1. A 27ª Conferência do clima da ONU - COP27 ocorreu em Sharm El Sheikh, no Egito, com a presença marcante das mais destacadas lideranças indígenas do Brasil. Um dos pontos mais críticos deste debate ocorreu nas salas de negociações dos financiamentos climáticos de países desenvolvidos para os países menos desenvolvidos. Neste dia, 09 de novembro, ativistas e a delegação indígena brasileira estiveram mobilizados para solicitar o fim do financiamento dos combustíveis fósseis; o redirecionamento desse capital para projetos de energia renovável, para que  o financiamento climático dos países ricos fosse direcionado para os países pobres, como pagamento de compensação dos danos causados pelas mudanças climáticas.

 

As lideranças indígenas do Brasil e representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, juntamente com outras entidades que atuam em defesa do clima, se fizeram ouvir nas conferências. O coordenador executivo desta entidade ─ Dinamam Tuxá, advogado e coordenador-executivo da APIB, levou o alerta dos povos indígenas sobre a urgência das ações para o enfrentamento das emergências climáticas. 

Ele teve uma participação no "Painel na Blue Zone", área da COP gerida pela ONU. No Painel “Construindo o poder indígena e comunitário para deter as mudanças climáticas: usando a lei para proteger a nossa Terra”, o líder do povo Tuxá defendeu que os povos indígenas, os povos tradicionais dos diversos pontos do planeta, são essenciais para conter a crise climática global.

 

  1. A delegação da APIB também marcou presença na Conferência da ONU – COP 15  sobre Biodiversidade – que ocorreu em Montreal Canadá. A meta de maior relevância desta conferência foi garantir o  objetivo de proteger 30% do território terrestre e marinho global até 2030. Esta proteção visa interromper e reverter os processos de degradação da natureza. No entanto, esse objetivo, para alguns críticos e povos indígenas, deve ocorrer com participação e diálogo com a realidade local de cada ecossistema. Eles alertam que, se essa proteção não for feita com a participação dos moradores locais, o projeto corre o risco de não ser efetivo. Essa também é a percepção ou a preocupação das lideranças indígenas, como afirma o coordenador executivo da PIB Dinaman Tuxá: “fazem toda essa discussão sem a nossa participação e todo o debate é baseado em muito conhecimento técnico científico, mas quem faz a gestão da biodiversidade somos nós e protegemos nosso território, às vezes, pagando com as nossas próprias vidas”.

 

As lideranças indígenas que estiveram presentes na COP27 e na COP15 foram: Célia Xacriabá, Vanda Witoto, Joziléia Kaingang, Dinaman Tuxá, João Vitor Pankararu, Cris Pankararu, Douglas Krenak, Puir Tembé, entre outras.

 

Podemos refletir sobre utopia quando temos hoje, em 2022, a possibilidade de um Ministério dos Povos Indígenas e podemos vislumbrar a verdadeira acepção do termo utopia que se apresenta agora.

UM PONTO DE INTERESSE

Ponto de Interesse: tem um caráter formativo e de divulgação.  Discorre sobre um assunto ainda não amplamente divulgado, ou ainda de difícil compreensão visto sua complexidade.

Sonhos em movimento...

 

Só quem toma um sonho
Como sua forma de viver
Pode desvendar o segredo
De ser feliz...

Cantar era buscar o caminho que vai dar no Sol
Tenho comigo as lembranças do que eu era
Para cantar nada era longe, tudo tão bom
Até a estrada de terra na boleia de caminhão
Era assim

Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão
Todo artista tem de ir aonde o povo está
Se foi assim, assim será
Cantando me desfaço e não me canso
De viver nem de cantar

Ao ouvir essa música “Nos bailes da Vida” cantada por Milton Nascimento e, com ela, me deliciar, pensei ser muito apropriada para falarmos das utopias possíveis, tema deste CI@. Nesse momento, de tanta desesperança, de violências, tantas fakes news, ficamos perdidos entre verdades e mentiras fora de nós.

 

Mas o que é mais verdadeiro e genuíno em nós?

 

Nesse sentido, gostaria de trocar algumas reflexões a partir de textos que têm me chegado. A estrofe que mais me chamou a atenção pelo link com nosso tema foi:

 

Só quem toma um sonho
Como sua forma de viver
Pode desvendar o segredo
De ser feliz

 

Mas aí está o grande desafio de nossa atualidade!

 

Um dos autores mais lidos, na Amazon, em 2022 foi Johann Harari (2022) que fala de como há uma crise de atenção ocorrendo no mundo. A mídia social calcada, via de regra, numa cultura que enfatiza a produção contribui, grandemente, para o deslocamento de nossa atenção.  Ele aponta estatísticas em que crianças conseguem manter a sua atenção por 65 segundos e estudantes americanos não mais que 19 segundos. Sendo que trabalhadores a mantém por 3 minutos apenas. Há estatísticas que apontam um decréscimo de QI, devido às distrações ora no e-mail, ora no celular. As empresas de tecnologia criam e promovem inovações para que as pessoas permaneçam grudadas às suas telas. A questão da dificuldade de sono vem crescendo o que aumenta o stress. Dietas, por um lado, poluição, por outro, pouco contribuem para esse estado de coisas se transformarem. O autor prossegue falando de como em longo prazo podemos criar dois tipos de classe de pessoas: aquelas conscientes de como focar a atenção é importante e a grande massa que, por ter menos recursos de reflexão, estará à mercê das tecnologias aditas ou viciantes. 

Pensando nisso, como ter sonhos nesse mundo tão complexo e caótico?

 

Seria muito apropriado pensarmos na vida como jogo infinito ou finito.

 

Quem adota como lema de vida, o jogo finito, adota uma linha de chegada, portanto, há vencedores e perdedores, há os melhores.

No entanto, para aqueles que se percebem vivendo o jogo infinito, como algo que não possui uma linha de chegada como fim, são mais confiantes, cooperativos e inovadores e estão sempre  ocupados em reconhecer como jogar e liderar com a mente infinita. 

 

Aí vem a pergunta: “E agora, José? O que fazer?”

 

Entendendo que, por mais estranho que possa parecer, no caos há uma ordem! Os teóricos da complexidade falam dos padrões invisíveis que revelam uma ordem oculta dos átomos às células, estendendo-se aos organismos e sociedades... (Bennet – Goleman, 2001).

 

Nesse sentido, a Transdisciplinaridade pode contribuir muito para o mundo, na medida em que oferece ferramentas para ampliarmos os nossos níveis de percepção, pela meditação, apreciação da arte de elevado nível, reflexão compartilhada sobre diversos assuntos e temas dos encontros TD. Assim, podemos perceber diversos níveis de realidade que coexistem e como os níveis sutis vão nos chegando por meio de trabalhos interiores e sociais, que nos levam, mesmo em momentos de turbulência, a encontrarmos em nós o “olho do furacão” onde há paz. É como olhar o mar em dia calmo, em que podemos confiar que aquela superfície é “real”, plana, tranquila..., no entanto, quando há tempestades, furacões: tudo muda. Juramos que aquele mar é isso! No entanto, os pensamentos e emoções nos enganam! Caso mergulhemos nesse mar revolto, encontraremos, abaixo, uma camada onde a instabilidade é quase ausente, e é permeada pela serenidade. Esse é o trabalho da percepção consciente.

 

Como adentrar nessa camada, diante da turbulência? Isso é possível, quando alargamos a consciência e penetramos em outros níveis de percepção, de realidade, mergulhando na complexidade de nossa existência e podendo reconhecer o quê, quais sonhos, apesar de todos os desafios sustentam nossa “forma de viver [e como esse simples -?!- gesto] pode desvendar o segredo
de sermos felizes”.

 

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Para quem quiser recordar e cantar a música de Milton Nascimento, segue o link:

https://www.youtube.com/watch?v=laVg1KIdVnY

 

Referências bibliográficas

Harari, Johann. Lost Connections: uncovering the real causes of depression – and the unexpected solutions.2022, edições kindle.

Bennet – Goleman, Tara. Alquimia emocional: a mente pode curar o coração. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

REFLEXÃO PESSOAL

Reflexão Pessoal: texto escrito e assinado por uma pessoa sob convite da Coordenação tendo como objetivo desvelar algo de cunho pessoal, mas com relevância para o grupo, redigido na primeira pessoa ou não 

 

Democracia: uma utopia em construção 

 

Edgar Indalecio Smaniotto

 

A utopia nasceu junto com a distopia, a primeira utopia literária do ocidente, é também a primeira distopia. Quando escreveu sobre Atlântida, a partir de conhecimentos que teriam sobrevividos do antigo Egito, Platão não estava interessado em saber se tal civilização teria existido ou não, para o filósofo grego, as lições advindas do mito eram em si mais importantes que a sua veracidade factual. 

 

Platão no Crítias e no Timeu, descreve uma imponente cidade, que atingiu o mais alto grau de civilização que poderia ser almejado pelos mortais, apenas os deuses estariam acima da civilização atlante. Temos aqui a utopia, como outras que viriam mais tarde na tradição filosófica, a Nova Atlântida de Bacon, A Cidade do Sol de Campanella ou a Utopia de Thomas More (cujo título da obra se tornou designação para este gênero filosófico), entre diversas outras.

 

Mas, com a utopia, nasceu a distopia. Os Atlantes acabam por se corromper, e sua bela civilização é afundada no mar pelos deuses. Parece então que estamos fadados a não alcançar a utopia, uma hora ela se degenera em distopia.

 

Se podemos tirar alguma lição contemporânea desta história de Platão, é o alerta contra o desejo em se alcançar uma sociedade perfeita, em que chegaríamos ao “fim da história” e viveríamos em um eterno presente, uma felicidade eterna. Algo como um paraíso terrestre!

O desaparecimento de quaisquer contradições, da própria história, e consequentemente de novas contradições a serem resolvidas, é impossível. A história não tem fim!

 

Neste caso, devemos abandonar um horizonte utópico e nos contentar apenas com nossa sociedade atual? Não, e afirmo novamente NÃO!  Temos necessidade da utopia. Sem utopia, caímos no niilismo, precisamos da utopia. Entretanto não precisamos de uma utopia fechada, que fatalmente nos levará a alguma autocracia. Precisamos de uma utopia aberta, que vai se construindo dia a dia, ou seja, a democracia. 

A democracia não é um horizonte fechado, é um horizonte a ser construído, em que a cada passo que avançamos, somos obrigados a rever conceitos, práticas e políticas; e incluir novas demandas a serem alcançadas. É um horizonte sem fim, mas a utopia não é o ponto de chegada, é a própria caminhada!

 

A democracia nasce na Grécia antiga, lá apenas homens livres empreendem a caminhada, retomada após a independência dos EUA, e as revoluções inglesas e francesa, são os burgueses que iniciam a caminhada para o horizonte. Com o tempo, outros vão chegando, não sem lutas e dificuldades, mas a democracia, como o cérebro humano, possui plasticidade, capacidade de aprender e se adaptar, e por isso é o melhor regime político que podemos construir.

Negros, camponeses, proletários, mulheres, povos originários e homo afetivos. A cada passo que damos na construção de nossa utopia, incluímos aqueles que antes se encontravam excluídos, incorporamos na estrada principal aqueles que antes estavam marginalizados. É um processo que sempre demanda luta, demanda redescrições de nossa própria história, a fim de incluir os antes excluídos!

 

O processo nem sempre é perfeito, nem sempre é totalmente acabado, às vezes damos um ou dois passos para trás, outras vezes encontramos um muro no caminho, então, é necessário fazer um desvio, outras vezes, derrubar o muro. Por vezes desaceleramos, tomamos fôlego! Mas nunca, nunca mesmo, paramos de seguir em frente.

Qual será o resultado desta utopia em construção que chamamos democracia? Não sabemos, pois ela é o próprio caminho, e não a chegada. Continuamos caminhando, ainda continuamos fazendo redescrições, pois muitos que caminham conosco, ainda não estão plenamente incorporados à corrente principal, e lá no horizonte, já vemos novos entes a serem incorporados, a terem seus direitos reconhecidos, mesmo aqueles que não são humanos, e não podem falar por si mesmos.

 

Será a democracia capaz de inserir, na corrente principal, os animais? Talvez, um dia máquinas conscientes? É provável, pois a democracia é isso, uma utopia em construção, uma caminhada cada vez com mais liberdade e reconhecimento, ao qual a cada dia novos caminhantes vão se incorporando. Não é fácil! Mas é a utopia possível, aquela que está sempre a se aperfeiçoar.

 

No meu entender, está é a grande lição que podemos tirar da utópica Atlântida de Platão: quando pararmos de caminhar, virá a decadência e a distopia, pois o caminhar é a utopia. A utopia nunca estará acabada, mas nunca deixaremos de caminhar em sua direção.

 

@filosofoedgarsmaniotto 

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Pós-escrito: “o fim da história” é um conceito do cientista político Francis Fukuyama; já o conceito de “redescrição” é do filósofo Richard Rorty.

PALAVRA DO LEITOR

Palavra do Leitor: Esta sessão abriga textos assinados pelos autores com a opinião e reflexão dos leitores sobre assuntos diversos, críticas ao CI@, elogios a alguma ação TD sempre tendo em vista os propósitos deste Boletim. 

Uma utopia possível

 

Silvia Fichmann*

 


“A utopia está lá no horizonte. Eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso para que eu não deixe de caminhar.”

Eduardo Galeano (in "Das Utopias")
 

Há vinte anos, iniciei as atividades de 'aprendência' [1] com pessoas de mais de 60 anos, quando uma amiga minha comprou um computador para seu pai, que já tinha oitenta anos e me pediu para ensiná-lo. Eu já pesquisava como as pessoas se apropriavam do uso da tecnologia e coordenava um laboratório na Universidade de São Paulo que  investigava a aprendizagem com recursos digitais [2]. 


Eu estava receosa pois precisava criar uma metodologia específica para que essa pessoa idosa conseguisse usar o computador, sua grande dificuldade era controlar o mouse. Mas fui percebendo que existia um jeito diferente de apresentar, para as pessoas daquela idade, os recursos computacionais, principalmente por meio de metáforas. 

 

Assim como eu já pesquisava o uso de tecnologia por crianças e professores, eu poderia criar uma metodologia para que os mais velhos pudessem ter, da mesma forma, acesso a recursos tecnológicos.

 

Pesquisei as maneiras  com as quais esse público pudesse se apropriar da tecnologia, de forma simples e prática, percebendo melhor o que sentiam, o que pensavam, qual seu momento de vida, seus receios, suas inseguranças e seus desafios. Com o advento de celulares inteligentes e aplicativos úteis para o dia a dia, comecei a pensar em como fazer com que essas pessoas pudessem se beneficiar destes dispositivos tanto no que diz respeito à sua comunicação com outras pessoas, como também auxiliar em   seu desenvolvimento cognitivo. 


Refletindo que valorizar o ser humano em processo de envelhecimento é um grande desafio na atualidade; que a criação de espaços de inclusão social,  a ressignificação das experiências pessoais e a trajetória de vida são caminhos para auxiliar as pessoas em idade avançada, comecei a estruturar e criar cursos de tecnologia específicos para otimizar o uso dos celulares, a partir de temas específicos, com aplicativos conhecidos e usados pela maioria das pessoas. 

Esses cursos foram ministrados em algumas instituições e em aulas particulares, para pessoas de mais de sessenta anos, almejando contribuir para o bem-estar, a sustentabilidade e o estímulo da aprendência ao longo da vida. 


A minha última experiência foi em 2022, num clube, onde semanalmente dei aula para um grupo  próximo a 38 pessoas de mais de sessenta anos – homens e mulheres –,  que foram se apropriando do uso do celular e, ao final de aproximadamente um ano, conseguiram  usar o celular com mais facilidade e desenvoltura,  realizando tarefas simples. Notei principalmente a alegria e a satisfação destas pessoas ao conseguir ultrapassar desafios e realizar atividades que, antes, pareciam impossíveis. 

 

A intenção de criar, editar e publicar esse material, foi fazer um compêndio do que produzi durante os últimos anos, com os temas relacionados aos aplicativos de celular mais utilizados no dia a dia das pessoas, a fim de socializar o conteúdo e otimizar o uso desse dispositivo, tão necessário e importante nos dias de hoje. Este material é voltado para usuários que possuem celulares com sistema tanto Android, quanto iOS. 

 

Utopia possível? Pessoas com mais de sessenta anos, utilizando com desenvoltura a tecnologia.  Criando vídeos com suas fotos em seus celulares.  Desafio alcançado e a alegria da conquista!

 

E como dizia Mario Quintana:

“Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las ...

Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”

(in Quintana de Bolso - Coleção L&PM Pocket)

 

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[1] Aprendência, neologismo criado pela educadora Hélène Trocmé-Fabre, que propõe uma visão transdisciplinar sobre o aprender, a partir de questionamento, autoposicionamento e avaliação. Estamos falando aqui de um processo em que todos, simultaneamente, são aprendentes e educantes a partir de atividades desenvolvidas de autoconhecimento, reabilitação cognitiva, ativação da memória imediata, recente e remota e principalmente da linguagem verbal e escrita.  

 

[2] Recursos digitais que incluíam o computador e todos os dispositivos móveis utilizados por professores e alunos na sala de aula.

 

Referências 

Portal do Envelhecimento

Revista Kairos Gerontologia

https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/20473

https://revistas.pucsp.br/index.php/kairos/article/view/31957

http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/acidente-vascular-cerebral-avc

 

*Silvia Fichmann atualmente é consultora de projetos educacionais inovadores para formação transdisciplinar de pessoas, em escolas e empresas, com uso de tecnologias digitais diversificadas. Coordena e desenvolve atividades permeadas pela Transdisciplinaridade, para idosos, com desenvolvimento de habilidades

Uma sociedade que lida com seus conflitos por meio do diálogo seria uma utopia?

 

Leandro Thesin

 

Vivemos em um momento importante e difícil, no Brasil e no mundo, em relação à capacidade de resolvermos conflitos de maneira não violenta. Ainda que no passado as guerras entre povos fossem mais frequentes, considerando o momento histórico, as violências cotidianas estão longe de serem consideradas aceitáveis.

 

Uma característica frequente em atitudes violentas é o olhar que desumaniza o outro. Ao vermos alguém como inferior, assim como os povos originários ou a população africana eram vistos pelos colonizadores como não possuidores de almas, ou os militares da Alemanha nazista viam os judeus e outras minorias como indignos, o olhar que poderia perceber o outro como irmão da mesma humanidade abre espaço para uma outra visão.

 

O sujeito passa, então, a ser alguém de tipo inferior não dotado dos mesmos sentimentos que eu. A indiferença e frieza torna o sujeito mais próximo de um objeto ou de uma ameaça, por meio de uma suposta superioridade em paralelo a uma vitimização, com um estímulo de ideias de distanciamento ou eliminação do outro.  

 

É fácil ter empatia com quem pensa e sente de forma parecida conosco. O desafio maior é ter empatia com quem tem valores, visões e atitudes diferentes ou contrárias, mas ainda assim merecedor de respeito e igual direito de expressão. 

A intenção de eliminação do outro é um limite da violência, seguida pela tortura física e psicológica, mas há outras violências menores e cotidianas. Não digo que estas menores causem mais danos, de forma alguma, porém, elas abrem espaços para outras posteriores, além de passarem desapercebidas frequentemente. Um olhar, uma palavra, uma indiferença em momento crucial ou pensamentos e emoções que preparam atitudes piores.

 

Se viver constantemente lidando com o contraditório não é fácil ou talvez custoso a ponto de parecer insuportável, a convivência em bolhas entre semelhantes estimula os diferentes serem cada vez mais diferentes. A questão: como lidar com isso da melhor forma possível praticando uma postura de abertura, rigor e tolerância?

A abordagem proposta por Marshall Rosenberg denominada "Comunicação Não-Violenta" é interessante para as relações sociais, interpessoais e até no nível individual para fortalecer uma relação de menos julgamento e mais conexão com os outros e nós mesmos. Quando estamos atentos aos sentimentos vivos em nós e nos demais, podemos perguntar para onde estes sentimentos apontam como origem, ou seja, o que é realmente importante para mim que está faltando e gerando esse sentimento. Para Marshall, toda violência nasce quando algo essencial para alguém não é contemplado. Pode parecer simplista, mas será que uma personalidade agressora seria formada do mesmo jeito se o essencial, como exemplo o amor, tivesse suprido aquele indivíduo?

 

Se um jovem soldado alemão no início do século passado tivesse se sentido reconhecido e amado por sua mãe e amigos antes de se tornar chanceler, talvez tantos outros sofrimentos não chegariam a existir. Ou se um sistema que perpetua desigualdade fosse menos cruel, talvez os sofrimentos individuais fossem menores e, consequentemente, menos sofrimento replicaria menos violência no mundo.

 

Voltando à pergunta: "Uma sociedade que lida com seus conflitos por meio do diálogo seria uma utopia?". Não se trata de uma imediata ausência de violência. Seria a capacidade de resolver divergências sem uma violência física, sentindo que o outro pode ter suas diferenças, mas que tem semelhanças comigo enquanto indivíduo, já que ambos sofremos, temos medo, amamos e queremos ser felizes.

 

Quanto mais permitirmos expressões violentas que objetificam, rotulam e descriminam os outros reduzindo ou anulando a percepção de humanidade compartilhada, maior o potencial de sofrimento gerado aos demais. Quanto menos tolerarmos violências físicas e verbais que inflamam novas violências, mais nos aproximaremos da possibilidade de vivermos em uma sociedade que resolva suas diferenças por meio de diálogos. 

Equinócio – Solstício

 

Rodrigo Araês Caldas Farias

 

As estações são uma benção da natureza. Passamos por cima de sua importância, que é como negar a essência da vida planetária. 

 

No meu entender, podemos definir através dos signos, uma correlação entre os elementos e os pontos chaves do conhecimento e sabedoria humanos.

Primavera – Fogo – espírito – espiritualidade. Verão – Água – arte – emoção. Outono – Ar – filosofia – pensamento. Inverno – Terra – ciência – aplicação.

Esta correlação transdisciplinar vale para o hemisfério norte. No hemisfério sul a sequência das estações é Ar – Terra – Fogo e Água. Fiz uma ligação simples entre os signos onde se iniciam as estações e os elementos, buscando os contrastes e coerências.

 

Quando temos primavera no hemisfério norte, aqui temos outono, tempo de filosofar e pensar. No norte seria tempo de buscar, louvar os céus pela nossa existência; temos a Páscoa para comemorarmos nosso espírito.

 

É difícil, para os acima do trópico de Câncer, entender o comportamento dos que nascem abaixo do Equador.

 

Poderia dizer que o Norte é mais masculino e o Sul mais feminino. As especulações são muitas, mas o fator principal é que o ciclo de um começa no meio do outro e buscam coisas diferentes. Uma correlação paralela seria achar o Oriental mais místico e o Ocidental mais esotérico, mas não iria tão longe. Como na Mônada chinesa onde temos o Yin dentro do Yang e vice-versa.

 

São apenas ideias que me ocorrem quando contemplo a passagem do Sol na faixa zodiacal...

ARTE & EXPRESSÃO

Arte – Expressão e Transdisciplinaridade: Esta sessão tem como objetivo mostrar diferentes tipos de expressão artística, como música, poesia e pintura, para nos elevar e trazer uma pausa no caos vigente, nos levando para níveis de realidade mais elevados.

POESIA

UTOPIAS

Penso, logo existo. Descartes

Embora seja não nascido, senhor de mim mesmo, pai de todos os seres, eu me torno manifesto pelo poder mágico da alma.

Ou. Mesmo sendo não nascido e Meu corpo imperecível não possa se corromper; embora Eu seja Senhor de todos os seres vivos; ainda assim Eu manifesto Minha forma original quando se faz necessário. Bhagavad Ghit\a

Como poderia pensar, se não existisse?

Supondo minha existência como Real a frase de Descartes me soa como: “Estou doente ou saudável, logo tenho um corpo de manifestação para a doença.”

Se eu não tivesse corpo – físico, emocional ou mental

como poderia justificar minha doença?

Estaria usando o sintoma para provar a existência da causa?

 

A mente me parece doença, pois quando não penso os problemas deixam de existir;

Vivências do passado, alheamento do presente,

O preço que a intuição cobra é a razão.

Aceito o passado inexistente, o futuro ignoto, me refugiando no presente.

Se o passado não existe, pois pressupõe tempo, como pode existir o presente?

Surjo no eterno agora, fora do tempo e do espaço?

Essas utopias calam fundo em mim.

Nós criamos fantasias a cada instante, e,

como Narciso, que se apaixonou por sua imagem amamos nossas criações.

Nossa mente é uma fonte de ilusões.

Entendi; vou criar uma fantasia, uma utopia,

Ninguém saberá dela!

Fora do tempo e do espaço, no eterno agora, persistirá no infinito!

Utopia!

Rodrigo Araês Caldas Farias

São Paulo, 08/02/2022 – 16:00 horas.

Continuo preso ao tempo e ao espaço. Quem sou e quando e onde estou?

UTOPIA

 

Thomas Morus, ao criar

um “refúgio” da harmonia,

fez mais do que imaginar,

um mundo de alegorias.

Tentou materializar;

dar rosto a uma fantasia...

um local a se alcançar:

o imaginário, a Utopia.

Baseada neste ideário,

segue, então, a humanidade.

A estrada dos visionários

Prevê adversidades.

Seja qual for o cenário,

“sonhar” é necessidade.

 

Mirian Menezes de Oliveira

MÚSICA

 

IMAGINE de John Lennon é apresentada, neste vídeo, por um coro de jovens surdos usando língua de sinais. O produtor desse espetáculo é Martin Virasoro, escritor e psicólogo, especialista em Counseling e uma das principais referências argentinas e latino-americanas nessa área.

IMAGINE - John Lennon

Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace
 

You may say I'm a dreamer

But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will live as one

VÍDEO-MÚSICA

O vídeo "ANJOS", editado por Vera Laporta, foi realizado com telas de "Anjos" e backgrounds de pinturas de autoria da filósofa e pintora Mariana Thieriot, tendo por acompanhamento a música "Angels both wings", criada especialmente para este trabalho, pelo maestro Sérgio Taza Lemke.

UNIDADES DE AÇÃO | UAs

UNIDADES de AÇÃO – UAs relata as realizações das UAs durante a estação fazendo um balanço de sua atuação.

Saúde e Transdisciplinaridade

 

A equipe do Dr. Patrick Loisel propôs uma abordagem transdisciplinar para prevenir a incapacidade de trabalho por meio de um modelo científico bastante novo na medicina, em Sherbrooke, Canadá, em 2007. Este modelo é, como todos os modelos transdisciplinares, um modelo multirreferenciado, que apela a especialistas de várias disciplinas para pensar o problema: o regresso ao trabalho de pessoas que se encontram numa condição de incapacidade. Há, nisso, uma base dialógica, democrática, e o diálogo científico baseia-se num profundo respeito pelas opiniões propostas e, portanto, pelas pessoas envolvidas. O modelo citado não se trata simplesmente de ajustar o trabalhador ao seu trabalho, mas da evolução de um sistema e da evolução da pessoa com uma incapacidade dentro desse sistema. Neste sentido, trata-se de um modelo inovador e humano e que vai além do bio-psico-social. É um modelo de ação que tem um alcance filosófico, uma dimensão capaz de problematizar o significado da ação realizada, através do modelo apresentado pelo investigador ou pela equipe de investigadores, e numa segunda fase ser capaz de propor soluções éticas para os problemas levantados à medida que o trabalho se desenvolve e as questões se tornam mais claras. Esta dimensão ética nos abre à multidimensões. De fato, o ser humano não pode ser reduzido a um único nível de realidade: o observável, o mensurável; para o compreender, temos de mergulhar na opacidade do inconsciente, dos aspectos arquetípicos que envolvem doença e cura, além de percepções “inenarráveis” que ocorrem nos vínculos paciente e profissionais da saúde e os fortalecem. A ética chama-nos a lidar com todas as alteridades. 

Portanto, a Transdisciplinaridade parece aplicar-se a priori aos meios e fins do modelo desta equipe de investigação da Faculdade de Medicina de Sherbrooke no Canadá, dirigida pelo Dr. Loisel, modelo que pode ainda frutificar. O trabalho de pesquisa transdisciplinar da Universidade depende, como sugere a UNESCO, do encontro não  com "sujeitos que supõem saber”, mas com sujeitos que concordam em "aprender a ser" em conjunto.

 

Mesmo que todos tenham a capacidade de o fazer, será que terão as condições materiais? Isto exigirá muito tempo por parte dos parceiros envolvidos no debate: o pesquisador terá a preocupação adicional, para além de um já pesado trabalho de investigação, de se colocar a si próprio a questão do fim e dos meios das suas ações no contexto profissional, e para lhe responder, caber-lhe-á a responsabilidade da bússola e a sua bússola terá de ser operacional. Cabe a cada um indicar in vivo e em comum acordo com os seus parceiros, a direção ética ou os "faróis", que, de acordo com o vento e as tempestades, permitirão ao barco chegar a um porto seguro e tocar uma terra acolhedora da qual poderá emergir um significado comum, aceito por todos. E tudo isto, deve encontrar um apoio financeiro, um testemunho da vontade política da sociedade de promover uma abordagem transdisciplinar entre os pesquisadores, que permita a inclusão concreta do financiamento do tempo necessário para todos os participantes dos diálogos e das leituras que esta abordagem rigorosa e difícil implica, e que comporta um certo número de riscos, porque o norte da bússola, não  poderá ser escondida.

As consequências para a Saúde e a medicina de se tornarem transdisciplinares, de trabalhar em equipe com um objetivo humanista e de já não acomodar uma pessoa ao seu ambiente, mas permitir ao doente envolver-se numa perspectiva democrática, muda o jogo. Já não existem pessoas simplesmente doentes, mas pessoas com problemas de significado que se beneficiam de ser percebidas na sua totalidade. É assim que o CETRANS e o CIRET continuam se enriquecendo com o trabalho de pesquisadores transdisciplinares como o do Dr. Patrick Loisel.

Foi com este intuito que o CETRANS deu a palavra a médicos que se destacam na área da saúde que atuam em Mindfulness – Dr. Marcelo Demarzo; em nutrição e autoconhecimento – Dr. Fernando Bignardi; na área das relações do inconsciente com o imaginal através da leitura dos sonhos –  Dr. Patrick Paul. Tivemos, ainda, Martha de Lima que mostrou sua trajetória na construção de como nasce uma ideia transdisciplinar que culmina com a publicação de "Oboré – Quando a Terra fala", um livro transdisciplinar;  Dr. Juarez Francisco da Silva que apresentou sua visão da sabedoria das tradições e a saúde e,  por fim, na área do Yoga – o Yogi  Samuel Pinheiro que mostrou sua trajetória pela Cultura Oriental,  a Educação Ambiental e a TD. Ouvimos também o psicanalista Ignacio Gerber que nos falou de Mente Zen – Mente TD  e Mariana Thieriot que aprofundou a relação entre bioenergia e patologia. Foi uma gama de sons, tons e cores diversas que enriqueceram nossa compreensão sobre Saúde e TD.

 

 Gratidão imensa a todos e todas pela presença e participação! Seguimos, com esperança,

 

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Imagens: Pinturas de Mariana Thieriot

Para assistir as palestras proferidas em ENCONTROS TRANSDISCIPLINARES DO CETRANS de 2022, entre na lista dos links de vídeos e podcasts pelo botão abaixo: 

Links dos Encontros Transdisciplinares

Para ler o texto Saúde e Transdisciplinaridade em inglês, clique no botão abaixo:

Link para texto em inglês

 

CETRANS RECOMENDA

DOCUMENTÁRIOS

Wherá Tupã e o Fogo Sagrado 

Alcindo Wherá Tupã, líder espiritual Guarani no Brasil, é portador da sabedoria milenar do Fogo Sagrado, que está desaparecendo.

 

Apresentando cenas de um ritual de cura, nunca antes divulgado em filme, este documentário pretende, através da palavra do Wherá Tupã, refletir a situação atual dos Guarani e colocar em evidência a sensibilidade apurada do ancião de 109 anos, que o permite realizar curas espirituais e físicas junto ao Fogo.

Ver o trailer do documentário no link https://filmow.com/whera-tupa-e-o-fogo-sagrado-t337014/  

Kobra - Auto Retrato. Foram anos de trabalho e expectativa. Em 17 de novembro p.p., este documentário entrou em cartaz. É uma biografia intimista e reveladora do artista brasileiro Eduardo Kobra.

 

Esse trabalho, assinado pela renomada cineasta Lina Chamie, estreia em quase 30 salas em diversas cidades brasileiras.

Antes de entrar no circuito, o longa já foi exibido — e muito bem-recebido —, no "Festival do Rio", na "Mostra São Paulo de Cinema" e no "DOC NYC", de Nova York — um dos maiores festivais de documentários do mundo. Em sequência, "Kobra - Auto Retrato" será projetado em evento ao ar livre em Miami Beach, nos Estados Unidos, como parte do evento denominado "Soundscape Park".

 

Assista o trailer do filme em https://youtu.be/1qxTOwIb7H0

LIVROS

LAUARETÊ ─ Neste livro de Kaká Werá Jecupé, índio de origem Tapuia, pioneiro no registro dos mitos dos povos indígenas brasileiros, você vai se maravilhar com as aventuras e desventuras da onça-rei Lauaretê, que de dia vira gente e, à noite, foge dos caçadores para salvar sua vistosa pele pintada e de seus filhos, Juruá e Laureté-Mirim.

 

Resgatados das mais ancestrais histórias brasileiras, alguns episódios foram originalmente coletados pelo general Couto de Magalhães, famoso folclorista que, em 1873, a mando de Dom Pedro II, viajou de norte a sul do país para pesquisar lendas, contos e fábulas dos nativos, e teve suas histórias revisitadas por contadores de todo o Brasil, até mesmo por Guimarães Rosa e Clarice Lispector. 

Kaká, nesse livro, traz o jeito índio de contar histórias, o jeito fantástico que ele ouviu e aprendeu no Parque Nacional do Xingu, dos narradores Kamaiurá, Trumai e Xavante, ou dos Krahô, na beira do Tocantins. Acompanhadas por desenhos de Sawara, filha de 11 anos do autor, as fábulas aqui selecionadas falam de medo, coragem, dúvida, amor, morte, paz, oportunidade, erros e acertos que vivenciamos, divertindo e emocionando adultos e crianças.

 

À venda pela Amazon no link https://a.co/d/j1LJpzI

"Exercícios Espirituais para Educadores de Si e dos Outros: Princípio e Fundamento em Santo Inácio de Loyola e São Francisco de Assis" de Juarez Francisco da Silva (Juarez Gurdjieff) é um livro voltado para o educador consciente de que conhecer a si mesmo é o princípio para mediar o desenvolvimento do outro.

 

Os exercícios aqui propostos fundamentam-se em Inácio de Loyola e Francisco de Assis, por meio de uma leitura psicológica do autor já utilizada por muitas pessoas. Também apresenta uma maneira pedagógica de meditação como prática de vida.

 

À venda em dois formatos pela Amazon, em https://a.co/d/fKMw1XC

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Juarez Francisco da Silva é Doutor em Educação, mestre em Organizações e Dinâmicas Sociais e em Teologia, especialista em Psicologia Analítica e Religiões, especialista em Psicologia das Organizações, psicólogo e media= dor em área de família e sucessão.

"Sem fins lucrativos – Por que a democracia precisa das humanidades". Neste livro, a célebre filósofa Martha Nussbaum defende que devemos resistir às tentativas de reduzir o ensino a uma ferramenta do Produto Interno Bruto, e nos esforçar para conectar novamente a educação às humanidades, a fim de dar aos estudantes a capacidade de ser verdadeiros cidadãos democráticos de seu país e do mundo. Valendo-se do relato de eventos educacionais perturbadores de todo o mundo, a filósofa apresenta um manifesto que deve soar como um brado de alerta para todos aqueles que se preocupam com os objetivos mais profundos da educação.

Editora Martins Fontes, em dois formatos. Para adquirir o livro clique em https://a.co/d/j5t5aew

ESPAÇOS

 

Espaço de Saberes e Vivências Essenciais — Arandu Werá

Vivências, encontros, celebrações,  culturas – é o que se experimenta no espaço Arandu Werá.  Sob a organização de Rachel Kleinubing e Kaká Werá Jecupé, são realizadas trocas de saberes e práticas que fazem parte dos momentos de encontro entre a equipe desse espaço e público sensível à temática indígena.

 

As culturas que são representadas nas artes indígenas e na  literatura estão em exposição no Arandu Werá,  ao alcance das pessoas que visitam o "Oka Floripa" em Florianópolis SC.

Oka Floripa. SC 405 - número  4397 - Loja 14 - Campeche Florianópolis SC

@aranduwera | @kaka.wera.

 

Casa de Vidro Bardi | Instituto Bardi

A Casa de Vidro foi o primeiro projeto construído da arquiteta Lina Bo Bardi. Residência do casal Bardi por mais de 40 anos, foi, desde sua inauguração em 1951, ponto de encontro de artistas, arquitetos e intelectuais. Hoje, enquanto sede do Instituto Bardi/Casa de Vidro, continua sendo um espaço ativo e de troca de conhecimento aberto ao público, cumprindo seu papel de perpetuar o pensamento e a obra de Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi. (Foto: Nelson Kon)

 

Rua Gen. Almério de Moura, 200 - Morumbi - São Paulo/ SP

Às quintas, sextas e sábados  – 10h, 11h30, 14h e 15h30

Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada). Entrada gratuita: crianças de até 10 anos

https://portal.institutobardi.org/visite-a-casa/

 

EXPOSIÇÕES

O Som da Cor – Rui Amaral

A exposição individual traz 53 trabalhos inéditos do artista – pinturas e desenhos em tinta acrílica, canetão e nanquim.

 

As obras foram produzidas durante a pandemia, quando o artista, recluso em imersão, criou trabalhos expressivos com forte intensidade de cores. 

Até 28 de janeiro de 2023 na Babel Galeria – R. Estados Unidos, 2205 - Jardim Paulistano, São Paulo/ SP.

De segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 17h
Entrada Gratuita

Judith Lauand – Desvio Concreto. Esta é a maior exposição já dedicada à obra de Judith Lauand, que neste ano completou 100 anos de vida e mais de sete décadas de produção. “Judith Lauand: Desvio Concreto” irá rever a trajetória da artista que foi a única mulher a participar do grupo Ruptura, que reuniu de modo pioneiro artistas interessados em desenvolver a arte concreta no Brasil.

Até 2 de abril de 2023, no Museu de Arte de São Paulo – MASP, Av. Paulista, 1578 - Bela Vista, São Paulo/ SP. (Foto: Isabela Mateus)
De quarta a domingo, das 10h às 18h; terça, das 10h às 20h
Ingressos: R$ 25 a R$ 50

Madalena Santos Reinbolt – Uma Cabeça Cheia De Planetas é a primeira exposição individual dedicada à obra de Madalena Santos Reinbolt.

 

A mostra reúne 44 trabalhos, entre pinturas e tapeçarias, e é acompanhada de uma publicação editorial dirigida integralmente à artista, com imagens e ensaios inéditos.

Até 26 de fevereiro de 2023 no MASP [Av. Paulista, 1578 - Bela Vista, São Paulo, SP (foto Daniel Cabrel)
De quarta a domingo, das 10h às 18h; terça, das 10h às 20h
Ingressos: R$ 25 a R$ 50
 

Orixás – O Memorial da América Latina inaugura a exposição inédita “Orixás”, do artista Eury Moreira.

 

A mostra apresenta dez esculturas sobre tela com divindades da religião Iorubá como Oxalá, Iemanjá, Oxum e Nanã.

Até 8 de janeiro de 2023, no Memorial da América Latina, Avenida Mário de Andrade, 664 - Barra Funda, São Paulo/ SP
De segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 17h
Entrada Gratuita.

Monet à Beira D'Água

Maior exposição imersiva do mundo sobre Monet, a mostra no Parque Villa-Lobos faz com que visitantes mergulhem em 285 obras do mestre do Impressionismo com ajuda de projeções em 360°, efeitos visuais e trilha sonora original.

 

Até março de 2023, no Parque Villa-Lobos, Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1365 - Alto de Pinheiros, São Paulo/ SP.

Diversas sessões, das 10h às 21h15, com agendamento.
Ingressos: a partir de R$ 30

Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação. No Museu da Língua Portuguesa, a dica é a mostra “Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação”, que propõe ao público uma imersão em uma floresta cujas árvores representam as famílias linguísticas que pertencem às línguas faladas pelos povos indígenas no Brasil. Além disso, vale visitar as obras interativas do Beco das Palavras e da Praça da Língua.

 

Até 23 de abril de 2023, no Museu da Língua Portuguesa, Praça da Luz, s/n – Luz, São Paulo/ SP. De terça a domingo, das 9h às 16h30. Ingressos: de R$ 10 a R$ 20

Xingu. Essa exposição no IMS Paulista aborda a história das imagens do Xingu, com ênfase na produção audiovisual contemporânea. A Mostra reúne cerca de 200 itens, incluindo filmes e obras de artistas indígenas produzidos especialmente para a exposição. (Foto: Takuma Kuikuro).

 

Até abril de 2023, no Instituto Moreira Salles - IMS Paulista – Av. Paulista, 2424 - Bela Vista
De terça a domingo, das 10h às 22h. Entrada Gratuita

TEATRO

Com humor fino e delicadeza, a atriz e dramaturga Clarice Niskier leva à cena sua adaptação teatral do livro “A Alma Imoral”, de Nilton Bonder. A obra nos faz refletir sobre o certo e o errado, a obediência e a desobediência, a tradição e a transgressão, a hipocrisia e a honestidade, além de aproximar temas como religião e biologia.


Clarice Niskier ganhou o Prêmio Shell-RJ 2007, na categoria Melhor Atriz, por sua atuação neste espetáculo. A peça recebeu também o Prêmio Caravana Funarte de Circulação Nacional de Teatros; e, em 2008, o Prêmio Qualidade Brasil São Paulo de Melhor Atriz – Drama.

De 20 de janeiro a 12 de fevereiro de 2023, no: Teatro Eva Hertz - Av. Paulista, 2073 - Conjunto Nacional., São Paulo/ SP. De: sexta e sábado às 20h; domingo às 18h
Ingressos de R$50 e R$100.

CALENDÁRIO
ESPÍRITO TRANSDISCIPLINAR

Espírito TD: tem um foco formativo. Visa ampliar o universo da TransD nos níveis de realidade I, II, III e IV, prioritariamente. Sempre que possível deve dar ênfase a questões de   natureza psicológica, mítica, simbólica, favorecendo assim a representação e transparência do Mundo Imaginal, no sentido de facilitar a ponte entre o tangível e o intangível. 

titude Transdisciplinar –  Uma Utopia pragmática

 

Ignacio Gerber

 

... tenho acompanhado minha vida com grande interesse...

 

Sim, um pouco como quem acompanha uma novela; não com o mesmo distanciamento seguro, mas com algo da mesma qualidade. Claro que sincronicamente estou vivendo minha vida e tantas vezes com grande intensidade. Uma sensação de contemplar a própria vida à medida que ela se desenrola, um pouco protagonista, um pouco observador, transitando continuamente entre essas duas vivências peculiares: em uma delas sou totalmente envolvido pelo próprio ego, enxergo a "realidade" a partir de meus próprios olhos e até acredito que ela seja única. Em outra, observo de uma posição outra que me coloque a mim mesmo dentro de meu campo de visão, dentro da "realidade" que enxergo; uma relativização do ego – e atribuo ao termo ego todas as acepções, denotações e conotações que possam ocorrer ao leitor. Ao longo do tempo transito entre esses dois modos de ser, percorrendo variadas preponderâncias proporcionais de cada um deles. Acredito, porque eu sinto assim, que estas duas posições admitem um terceiro incluído – ou acolhido, como o chamei num texto anterior. Um terceiro "acolhedor", porque acolhe essas duas visões numa transvisão, uma visão transcendente de mim mesmo.

Freud inaugurou o método psicanalítico ao propor a atitude de "atenção flutuante" para a escuta psicanalítica –  uma escuta impessoal na sua extrema pessoalidade, não seletiva, que não se deixe prender por preconceitos e expectativas pessoais, livre como só o inconsciente possa ser. Deixarmos que a lógica contraditória, paradoxal e infinita do inconsciente estabeleça toda sorte de correlações multidimensionais e nos desvele o sentido do momento vivido com nosso analisando, puro presente intuído no limiar de sua criação e existência.

Lembrando, porém, que – parafraseando Pessoa – navegar é preciso, mas viver e psicanalisar não são precisos, são intuitivos. Bion (1897-1979), um psicanalista místico e disruptor, falava em "visão binocular" do psicanalista – com focos diferentes em cada ocular, acrescento eu. Ogden, encantador analista contemporâneo, fala no terceiro analítico - uma terceira visão transcendente que emerge da relação analista-analisando, ou utilizando uma linguagem que se torna habitual, uma qualidade emergente. Penso que estamos todos falando aproximadamente das mesmas coisas.

Basicamente de desapego, ou, com perdão do hífen tão usado que já se gastou, desap-ego. Uma relativização de si mesmo – um descentramento. Uma imersão sentida na impermanência dos tempos, dos espaços, de nós mesmos. Nada de novo diante das milenares filosofias pragmáticas orientais, passando por Heráclito entre outros, mas parece-me importante compartilhar transdisciplinarmente essa vivência pessoal de um sentimento de verdade absolutamente relativa (ou relativamente absoluta).

 

Foi isso que primeiro me ocorreu ao saber do tema: "atitude transdisciplinar".

 

Se radicalizarmos agora o sentido de "disciplina", poderíamos afirmar que cada ser humano é, em sua individualidade implicada, uma disciplina em si mesmo. Tanto que qualquer um de nós poderia perfeitamente se propor a escrever uma tese universitária sabre seus próprios princípios epistemológicos.

 

Felizmente o pudor nos impede de fazê-lo mais amiúde. Admitindo-se (agradeço a tolerância formal) esse uso mais amplo do significante "disciplina" em prol de minha argumentação, podemos concluir que toda a comunicação entre dois seres humanos é basicamente transdisciplinar – aquilo que transcende as aparentes diferenças.

Uma constante apreensão dialógica de dois sistemas lógicos irreconciliáveis num determinado nível de realidade, mas reconciliáveis numa dimensão emocional mais elevada. Como propôs o psicanalista Matte-Blanco, o inconsciente transita por dimensões superiores às nossas três ou quatro habituais. Poderíamos então dizer que a atitude transdisciplinar transcende e reconcilia a pesquisa e a ação transdisciplinar.

 

Podemos senti-la como uma vivência de complexidade: a complexidade se transformando de um conceito para um modo de ser.

Um modo de ser que incorpora os paradoxos e as contradições à nossa lógica vivida. Diante de qualquer pergunta a resposta será sempre precedida de um "depende!...". Tudo depende de tudo! E eu nisso? Bem, depende...

 

Quando eu disse acima que Bion era um místico disruptor, quero lembrar que ele nasceu na Índia e lá viveu sua infância estruturante até os oito anos de idade, se abeberando da cultura milenar de sua ayah indiana. Quase meio século depois, ele adentra o meio psicanalítico num momento em que a psicanálise corria o risco de se tomar a mais disciplinar entre as disciplinas. Já Freud, ao postular nosso inconsciente, teve que se defrontar com enormes resistências externas e lutou tenazmente para delimitar a especificidade da psicanálise, mas em nenhum momento cogitou de fronteiras rígidas com as suas inumeráveis interfaces e nem propôs regras imutáveis ou certezas definitivas. Bion, por sua vez, percebe as resistências internas dos psicanalistas: discussões em tomo de quem detém a verdadeira ou a melhor psicanálise, lutas pelo poder, estruturas hierárquicas, conivência com a burocracia e o mercado, sociedades, escolas, grupos, causas, partidos, etc.

Bion equacionava a arrogância com a estupidez. Arrogância pensada como incapacidade de interagir com o novo, o desconhecido; recusar o que não se entende, o estranho, o estrangeiro. Aferrar-se a suas limitadas certezas e o que impede de aprender com o outro. Sem qualquer pretensão, penso que Bion veio propor uma visão biauricular sobre a própria psicanálise. Para compreendê-la é preciso ter desenvolvido a fé numa visão cósmica complexa, permeada por infinitos níveis de realidade.

 

Penso Utopias Pragmáticas como Utopias viáveis, ainda que num prazo incerto, pois elas certamente provocarão resistências tenazes dos que temem a mudança, qualquer mudança, mas assim como no exemplo da psicanálise, essas resistências podem nos ajudar a pensar as próprias utopias.

Não abrir mão delas, mas repensá-las constantemente, pois pensamentos estabelecidos se desgastam. Por outro lado, se a utopia proposta for absorvida com facilidade e sem maiores resistências, devemos nos preocupar e repensá-la mais ainda por que essa absorção poderá esterilizá-la, minimizando seu efeito disruptivo. Ou seja, só podemos pensar o conjunto utopia­-resistência como uma mônada inseparável. Uma ideia nova, realmente nova, nos obriga a pensar, reavaliar, a olhar criticamente nossos pressupostos, a enfrentar incertezas, possíveis mudanças radicais num esquema confortavelmente estabelecido, enfim, tudo aquilo que tememos. Pois tememos aquilo que não conhecemos ou não compreendemos e apenas o desconhecido e totalmente novo. Para enfrentar uma nova verdade – mesmo as pequenas verdades cotidianas de cada nova experiência emocional –  se faz necessária tolerância à frustração de ter nossas verdades pessoais contestadas, o que implica em diminuir a importância de nosso ego individual; uma tentativa de nos relativizarmos para nos harmonizarmos com o todo.

 

(...) Corremos todos o mesmo risco, inclusive nosso incipiente movimento transdisciplinar. Como avaliar nossos resultados? Penso que, dentro da lógica transdisciplinar, a melhor medida possível para aferir em que nível o pensamento transdisciplinar permeia nosso grupo do CETRANS é através das relações afetivas e do respeito intelectual entre seus membros. E mais além, entre nós e os outros. A transdisciplinaridade é um modo de ser e não apenas um modo de saber, e uma das maneiras pelas quais as resistências conservadoras tentarão neutralizá-la será aceitando-a desde que reduzida a um saber.

 

 

São Paulo - SP, Brasil

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