"O SAMBA DO OPERÁRIO apresenta uma estética maravilhosa. Tem ali uma escolha de arranjos, de acordes que mostra com nitidez o nível dos compositores da Mangueira. Essa versão cantada pelo Nelson Sargento é uma versão sem igual. É algo único, singular. Quanto à mensagem da letra do samba, a gente vê de uma maneira nítida também como existe e como existiu (em determinados situações ainda existe) uma aliança com o partidão e a manifestações de esquerda no país e com o samba. Os sambistas assimilavam aquelas pautas e as suas próprias pautas...
Não vamos dizer que é tal qual uma lousa em que os intelectuais de esquerda iam escrevendo e preenchendo os ideais dos sambistas. Isso não foi assim. Isso já estava ali de uma maneira muito fecunda e foi acontecendo uma aliança, um reconhecimento mútuo entre os dois movimentos. E a mensagem do samba nos traz conceitos marxistas que são clássicos como o conceito de alienação.
'Se o operário soubesse reconhecer o valor do seu dia'. Tem também o conceito de mais-valia, né? O usurário acaba sendo a personagem que acumula o dinheiro, os bens por conta do tempo. É uma noção de tempo que se diferencia. Para operar o tempo tem certo valor, para os usurários não. O valor do tempo do usurário é superior e por isso o usurário acumula. É uma denúncia do capitalismo do início ao fim. Temos a questão de se posicionar contrariamente, de resistir, de procurar um combate na segunda parte do samba.
'Abafa-se a voz do oprimido e com a dor e o gemido não se deve desabafar. Trabalho feito com minha mão, só encontrei exploração em todo lugar'. Nesses poucos versos a gente consegue perceber como a opressão opera. E, além disso, a gente percebe a tomada de consciência. Se o trabalho é feito com a minha mão não há porque haver esse regime exploratório no qual existe uma discrepância, digamos assim, entre unidades de medida do que é o valor, retomando aquela ideia inicial da diferença do valor do tempo do operário e do usurário.
Usurário é um termo muito feliz que os compositores colocaram desse samba. Aí a gente pensa na questão mesmo do modo como os bancos operam. Os juros são cobrados com base num certo valor de tempo convencional. E sempre essa noção de usura.
Esse samba é tocado com alguma regularidade e se tornou uma questão assim de tradição na Roda de Samba do Sindicatis, da qual eu faço parte. Nós celebramos o Primeiro de Maio. É um gesto de reconhecimento do valor dessa data e de tudo que está simbolizado nela. E aí nós aproveitamos para tocar sambas com temáticas trabalhistas."
Finalzinho de conversa que tive com o Jeferson...
- O Samba do Operário não foi samba-enredo, né?
- Não.
- Muito para passar na globo, acredito... Seria aceito?
- Oportuna observação.Vai direto ao ponto. Eu acredito que não. Não que não tenha requisitos para ser samba-enredo... É claro que não é daqueles sambas com muitos versos. Mas, existe samba-enredo com número de versos inferior a esse. Antes o samba-enredo era mais curto. Tem um do Manaceiaa (Brasil de Ontem) com dez versos.
- Quando começou a mudar?
- Suponho. Não tenho certeza. Acho que essa mudança, essa revolução começou com Silas de Oliveira com o samba-enredo Aquarela, um samba mais longo.