"O Samba NO SARGUÊRO de Benedito de Lacerda e Ildelfonso Norat é uma denúncia e é uma prática recorrente: intervenção policial nos morros e sobretudo intervenção nos morros do Samba nos eventos festivos de celebração, de descontração dos povos que no morro habitavam. Trata-se de uma denúncia, mas também não se trata da única. Assim como essa denúncia, tem o samba Rádio Patrulha e tantos outros.
O samba No Sarguêro é da primeira metade do século XX e mostra esse procedimento violento. Se você quiser, mostra até um tanto de humilhação das pessoas que frequentavam esses ambientes diante dos seus familiares, dos seus amigos. É uma denúncia que está lá no passado – a gente vê pela gravação em disco -, mas é uma atuação policial recorrente, que procura, que mira corpos negros como se tivesse um alvo. Se olharmos etimologicamente a palavra alvo significa branco ou a brancura. Em termos práticos, é isso que acontece: policiais fazem intervenções violentas nos morros de sambas interrompendo, por vezes, celebrações religiosas de matriz afro por conta disso... Então é uma denúncia local que se deu com o próprio título e que se estende para além do contexto espacial e temporal. Esse é um samba importante de se lembrar, de se recordar. É preciso que essa letra siga repercutindo.
É uma gravação maravilhosa do Conjunto Gente do Morro. A gente vê que os elementos percussivos ganham notório destaque. É algo que, se a gente for comparar com outras gravações, no mesmo contexto, não se dava. Nas gravações da turma do Estácio – com a qual o Benedito tinha uma convivência, uma proximidade - a gente percebe muito mais piano, flauta, violino, ou seja, elementos não tão percusivos que pouco, talvez, digam a respeito dessa identidade do samba tão marcada pela percussão. Gosto dessa gravação por conta desses elementos. A música traz uma mensagem importante e revoltante. Boa para pensar no contexto atual da atuação da polícia nos dias de hoje.
Um comentário complementar é sobre as flautas. Como essa flauta vai sendo envolvente e encantadora o tempo todo. E era uma marca do flautista Benedito Lacerda que faz valer o seu sucesso... Ele foi um dos parceiros mais freqüentes do Pixinguinha e também compositor de choros maravilhosos, cujos discos valem muito a pena ouvir. Hoje isso está disponível em várias plataformas. E o destaque é para esse verso: quem pega peso é guindaste. Trabalho não é para mim. Então, é um verso que de fato mostra o trabalho naquela circunstância de 1930, um trabalho de peso e que, por vezes, não era compensatório na medida em que a remuneração não levava em conta esse valor de força empregado pelos operários. A gente já nota esse modo de malandragem. Nesse caso é receptivo, é um modo de revolta já que a realidade parece não oferecer outra circunstância para as pessoas em situação de pobreza, na marcha em busca de meios alternativos de sobrevivência que não essa exploração. A força de trabalho empregada é discrepante em relação ao valor do salário sugerido como remuneração.”