Refúgio do ruído Curadoria e textos de João Villaverde |
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Hoje: Qual será o grande tema desta década? Um documentário para suprir a saudade, o romance para recuperar sanidade mental, o ódio como força motriz e uma orquestra na pandemia. Vamos fugir do ruído. Este e-mail foi encaminhado a você? Faça a inscrição clicando aqui para receber direto. |
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A hora e a vez dos... salários A década que terminou, de 2010, foi "a era dos banqueiros centrais". Agora, a presente década de 2020 será "a era dos especialistas em mercado de trabalho".
A sacada foi feita de forma en passant pelo economista David Blanchflower. Antes de falarmos dele (que é um personagem e tanto), vamos refletir um pouco sobre o que ele disse. É interessante. No pós-crise financeira de 2008, o sistema bancário estava em profunda crise de confiança, os Estados nacionais entraram pesadamente em campo para evitar crises ainda maiores. A dívida pública inevitavelmente aumentou. Daí, como advogam vários economistas brilhantes (Stiglitz, Krugman, Skidelsky, só para ficar em três), o foco do drama foi cedo demais para este último ponto. Já em 2010, os governos foram pressionados a cortar gastos e melhorar seus indicadores fiscais. Os estímulos nem bem começaram e já tinham de ser tirados. Já se sabe, hoje, que foi um erro gigantesco. Mas, naquele momento, a maioria embarcou naquilo.
Resultado? Entramos nos anos 2010 com economias de países ricos ainda muito abaladas, mas sem que os Estados pudessem gastar para recuperá-las. Sobrou para a política monetária. O que assistimos com o Fed (sob Bernanke e, principalmente, sob Janet Yellen e agora sob Jay Powell) foi uma prática inédita e realmente impressionante de aumento de seu balanço. O Fed passou a adquirir todo tipo de papel, público e privado, financiando esse esforço com criação de moeda. Na Europa, o BCE seguiu (ficando especialmente criativo a partir de 2016). Também o Banco da Inglaterra fez o mesmo. O Banco do Japão, que fora o primeiro a tentar saídas antes consideradas heterodoxas, apertou o pé no acelerador.
Por dez anos, os maiores bancos centrais do mundo desenvolvido experimentaram políticas monetárias nada ortodoxas, como forma de suprir o vácuo deixado por políticas fiscais omissas. Em algum momento da década passada, o crescimento voltou a ficar razoavelmente sólido (especialmente nos EUA). E foi aí que a coisa ficou interessante: a realidade testou a teoria estabelecida. |
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O crescimento econômico foi consolidado nos EUA sob Obama e a geração de empregos aumentou muito. A taxa de desemprego caiu. A maior parte dos analistas de mercado financeiro passou a esperar (alguns de forma bem dramática) um aumento da inflação, em decorrência do aumento de salários que tenderia a vir com a queda do desemprego. O temor foi tão grande que contaminou o Fed, que passou a aumentar a taxa básica de juros entre 2018 e 2019. O desemprego continuou a cair... mas nada aconteceu com a inflação. "Eu acho que a postura do Jay Powell neste momento é a correta. Mas é o que eu venho dizendo há cinco anos", disse Blanchflower neste papo com o Bloomberg Surveillance. Neste momento, Powell (o presidente do Fed) mantém a taxa de juros americana a zero (zero!), sem qualquer indicação de que aumentará cedo, mesmo com alguns economistas (de novo!) dizendo que a inflação virá forte dado o aumento (agora sim!) da política fiscal, proposto por Biden.
Mas uma coisa é taxa de desemprego. Outra coisa é o nível de salários.
Blanchflower ficou famoso quando fez um trabalho brilhante, combinando robusta micro-econometria com conhecimento histórico. Demonstrou que havia uma "quebra" na famosa curva de Phillips, que preconizava aumento de salários diante da queda do desemprego. Blanchflower cantou essa bola há trinta anos. E o que vimos nos EUA entre 2015 e o começo da pandemia? Taxa de desemprego chegando nas mínimas históricas, mas nada de inflação, em parte por conta de baixa pressão de salários.
"Por muitos anos, as empresas de diversos setores poderiam ter pagado salários maiores, mas escolheram não pagar. É preciso olhar para isso. Por que pagaram o que pagaram para seus executivos, mas não para seus funcionários? Os lucros das empresas, seus resultados, deixam claro que poderiam ter aumentado salários. Mas não fizeram. Por que?", pergunta-se Blanchflower. "A pandemia expõe a desigualdade econômica".
E não, ele não é um comunista (risos). Professor de economia na Universidade de Dartmouth, pesquisador do NBER, ele também foi integrante do comitê de política monetária do Banco da Inglaterra. |
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FUGA Você assiste a TV Senado? Sim, eu sei, nesta semana todo mundo assistiu, por conta da CPI da Pandemia. Mas há programas muito interessantes (e certamente mais leves do que as confirmações de que o governo Bolsonaro sabotou a vacinação no país).
Simplesmente adorei assistir a este documentário sobre a vida do etnólogo francês Claude Lévi-Strauss e sua esposa Dina Dreyfus no Brasil profundo, nos anos 1930. O título, Saudades do Brasil, é exatamente o que tenho sentido há tanto tempo.
P.S. Tirei a foto que acompanha a seção Fuga em maio de 2013, durante uma viagem de trabalho ao sertão baiano. Lá na frente está Monte Santo. Saudade de viajar pelo Brasil. |
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Todas as famílias felizes são parecidas entre si; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira. Essa é possivelmente a mais famosa frase de abertura de um romance na humanidade. Lev Tolstói escreveu em 1875, quando começou a trabalhar em Anna Kariênina. Uma nova edição desta obra monumental acaba de ser lançada pela Editora 34, com tradução do Irineu Franco Perpetuo, prefácio de Thomas Mann e com orelha assinada por Milton Hatoum. * Você tem um projeto pessoal para manter sua sanidade mental nesses tempos em que o Brasil é acossado por pandemia, bolsonarismo e chacinas? Ler este romance (que é de fácil acesso, nenhuma complexidade linguística) pode ser seu projeto. |
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Como caem os presidentes? Das 25 colunas que escrevi, semana a semana, para a revista Época, a que mais circulou foi a desta semana. Fiquei contente, claro. Nela, apresento os achados da minha dissertação de mestrado na FGV que, por sua vez, nasceu a partir do que vivi e observei como jornalista em Brasília. Há uma linha que liga meu livro-reportagem sobre o impeachment de Dilma e meu mestrado. O que fiz, na coluna, foi juntar os pontos entre os dois. Dá para falar em uma teoria do impeachment? Acho que sim. É justamente o tema da coluna. Para ler, clique aqui.
P.S. Tirei esta foto de dentro de igreja no Pelourinho. Ali na frente está a Baía de Todos os Santos. Estava em Salvador, Bahia, 2017. |
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E tenho dito. "Confesso tranquilo que o ódio tem me motivado a continuar vivo. Um ódio profundo, impulsionador, humanizador, contra os fascistas que estão no poder. Um desejo de vê-los acabados. O ódio tem me feito até cultivar a transgressão pela beleza, já que essa gente cultiva o horror."
O desabafo acima é do escritor Luiz Antônio Simas. Ao lado, a imagem dele ontem tomando a primeira dose da vacina contra a Covid-19, no Rio de Janeiro, onde ele mora. |
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PAUSA Quando cliquei para assistir a Osesp interpretar ao vivo No Reino da Natureza, de Dvorák, seguido do Concerto para Violão, de Villa-Lobos, com o genial Fábio Zanon acompanhando a orquestra, eu não sabia... que aquilo tudo quase não aconteceu. Era a noite de 28 de janeiro, prestes a ter segunda onda do vírus. A Sala São Paulo estava parcialmente aberta, com as apresentações transmitidas por YouTube (ficam no ar por apenas 48 horas).
O diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski, escreveu um texto maravilhoso na piauí relatando como tem sido difícil manter uma orquestra aberta em meio a pandemia. Naquela ocasião, o programa precisou ser alterado, duas vezes!, por conta da pandemia. Vale a leitura.
Falando nisso, hoje (sexta, dia 7), a Osesp interpretará a Sinfonia 64 em lá menor de Haydn, com Baldini fazendo violino e regência. Não perca. Ajudará na sanidade mental. P.S. Tirei a foto que acompanha esse segmento PAUSA de dentro de um prédio em Paris, numa viagem de trabalho há exatamente um ano: meados de outubro de 2019. |
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Sobre o Refúgio do ruído e + O psicanalista Contardo Calligaris, com quem tanto aprendi, faleceu no mês passado. Ele era um dos quatro mil inscritos nesta Refúgio do Ruído. Lembro como eu sorri quando vi o e-mail dele aparecer aqui como inscrito. Ele continuará recebendo, mas não lerá mais. Esta newsletter é voltada a pessoas como você e como ele, com curiosidades imensas. P.S. Eu tirei a foto que acompanha esse segmento durante uma viagem de trabalho para Londres em fevereiro de 2019. Estamos dentro do Ship´s Tavern, uma taverna instalada no centro de Londres desde 1549 (você não leu errado; o bar foi inaugurado um século antes de Hobbes escrever O Leviatã e antes, também, da Revolução Gloriosa).
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Obrigado por chegar até aqui. No próximo dia 07 tem mais.
#forabolsonaro #vacinasparatodos |
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