Recreio barroco
O que me daria encanto era ver-me, ainda que por tempo ligeiro, em romagem às antigas terras da Ática. Que ali tudo é vinho, carne sacrificada e palavras ditas por homem, que as mulheres por casa se oficiam. Sinto uma cobiça de por lá fazer caminho.
Mas para meu aperto, a teimosia do Sr. Abade não me concede anuência para deixar rasto em terras que foram de pagãos.
Ainda o ano passado lhe deixei cair a minha intenção durante uma fala no Consultório Litúrgico. Mui sutilmente. E a sua fúria foi tanta que, em retaliação, não posso de momento celebrar a rubrica do rito aos cristãos com a dalmática vestida. Que rusticidade a de sua Excelência! vale que sou por mim uma pessoa bastante mansa.
Diz-me que tenha tino, e me penitencie com causa centrada nos desregramentos com a irmã Celeste. Não sabe, o Sr. Abade, como tenho sido supliciado pela irmãzinha, uma fera com fogo na boca do corpo.
Terei de desobedecer, isso farei, aquelas terras puxam-me a alma muito para o desassossego. Dizem que por lá se desnudam homens e mancebos em funções de preleção inicial. Digo que me parece arrojado, assim dessa feição…
Homens que são umas merecidas bestas, assim ditos pelo velho Homero. Que se dão à luta com escudo arredondado, metendo nas carnes do inimigo chifrudo a lança de endurecido bronze. O Senhor nos cuide de gente assim selvage, que por mim não tenho mão!
Agora, em segredo, vos deixo o que me vem dizendo o Boticário: que principiou a padecer o corpo do Sr. Abade e não tem farmácia para lhe valer. Que é das comidas que lhe têm servido — disenteria bacilar, assim diagnostica. Que Deus dê alento a sua Excelência, pois os dias, um por um, todos em cinza se consomem. Com Cristo nosso Senhor, subirá ele aos céus, e que o momento a todos nos conforte.
Com doçura singela, nos faça Maria impoluto o caminho, que sem imundície ela concebeu, não deixando, todavia, de arrochar tal como é serventia de todas. Tomemos o seu procedimento e jamais enjeitemos do Altíssimo as suas insistências reclamadas.
Lembrai-vos de José, um par de chapadas naquelas trombas bem as merecia ele quando olhou de viés a seu próprio filho, qual bovídeo fazendo rondas ao terreiro, de cornos arrojados para gozo do Mafarrico.
Ai, meus irmãos, escorraçai de mim o Bode que me vai afanando o verbo! e, se assim o quiserdes, para minha remissão, malhai sobre mim umas quantas chibatadas.
Vosso, e sempre disponível para andanças e assuntos;
Bizas Constantino — pároco em certas freguesias.
Texto: Mário Trigo