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ABRIL 2024

Diz-me então se és a morada do príncipe das trevas. Diz-mo… diz-mo, oceano (só a mim, para não entristeceres aqueles que nunca conheceram senão ilusões).

Conde de Lautréamont

Recreio barroco

 

O que me daria encanto era ver-me, ainda que por tempo ligeiro, em romagem às antigas terras da Ática. Que ali tudo é vinho, carne sacrificada e palavras ditas por homem, que as mulheres por casa se oficiam. Sinto uma cobiça de por lá fazer caminho.

 

Mas para meu aperto, a teimosia do Sr. Abade não me concede anuência para deixar rasto em terras que foram de pagãos.

 

Ainda o ano passado lhe deixei cair a minha intenção durante uma fala no Consultório Litúrgico. Mui sutilmente. E a sua fúria foi tanta que, em retaliação, não posso de momento celebrar a rubrica do rito aos cristãos com a dalmática vestida. Que rusticidade a de sua Excelência! vale que sou por mim uma pessoa bastante mansa.

 

Diz-me que tenha tino, e me penitencie com causa centrada nos desregramentos com a irmã Celeste. Não sabe, o Sr. Abade, como tenho sido supliciado pela irmãzinha, uma fera com fogo na boca do corpo.

 

Terei de desobedecer, isso farei, aquelas terras puxam-me a alma muito para o desassossego. Dizem que por lá se desnudam homens e mancebos em funções de preleção inicial. Digo que me parece arrojado, assim dessa feição…

 

Homens que são umas merecidas bestas, assim ditos pelo velho Homero. Que se dão à luta com escudo arredondado, metendo nas carnes do inimigo chifrudo a lança de endurecido bronze. O Senhor nos cuide de gente assim selvage, que por mim não tenho mão!

 

Agora, em segredo, vos deixo o que me vem dizendo o Boticário: que principiou a padecer o corpo do Sr. Abade e não tem farmácia para lhe valer. Que é das comidas que lhe têm servido — disenteria bacilar, assim diagnostica. Que Deus dê alento a sua Excelência, pois os dias, um por um, todos em cinza se consomem. Com Cristo nosso Senhor, subirá ele aos céus, e que o momento a todos nos conforte.

 

Com doçura singela, nos faça Maria impoluto o caminho, que sem imundície ela concebeu, não deixando, todavia, de arrochar tal como é serventia de todas. Tomemos o seu procedimento e jamais enjeitemos do Altíssimo as suas insistências reclamadas.

 

Lembrai-vos de José, um par de chapadas naquelas trombas bem as merecia ele quando olhou de viés a seu próprio filho, qual bovídeo fazendo rondas ao terreiro, de cornos arrojados para gozo do Mafarrico.

 

Ai, meus irmãos, escorraçai de mim o Bode que me vai afanando o verbo! e, se assim o quiserdes, para minha remissão, malhai sobre mim umas quantas chibatadas.

          

Vosso, e sempre disponível para andanças e assuntos;

Bizas Constantino — pároco em certas freguesias.

 

Texto: Mário Trigo

Esta é uma rubrica mensal, ou incerta – Ars Longa. Tem um propósito criativo, lançando temáticas que dispensam enquadramentos explícitos. Expande-se para o vazio.

 

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