Minibio por ela mesma
Ingrid Sateré Mawé é mulher Indígena pertencente ao Povo Sateré-Mawé, Ativista Ambiental, Mobilizadora Social, Comunicadora, Licenciada em Ciências Biológicas, Graduanda no Curso de Comunicação Institucional e Ecossocialista, Feminista Comunitária, nasceu na cidade de Manaus-AM, escolheu viver em Santa Catarina desde 2006, foi coordenadora do Sindicato dos trabalhadores em educação em SC, Primeira Mulher indígena a concorrer ao cargo de Governadora do Estado de Santa Catarina no ano de 2018, Militante do PSOL- Florianópolis, Assessora Parlamentar no gabinete da Coletiva Bem Viver na Câmara Municipal de Florianópolis, Apresentadora e Colunista no Portal Desacato, Diretora de Conteúdo Indígena na Revista Inspiração teen e Membro da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade - ANMIGA
KAREN Sabemos que não está fácil sobreviver no Brasil , que as mortes de indígenas, negros, LGBTQIA+ acontecem em todo território, mas o sul, reconhecidamente, é mais conservador. É mais difícil a esquerda ganhar eleição aqui. É nesse sentido que resolvi criar essa série. Como é ser de esquerda em Florianópolis?
INGRID Ser de esquerda em Florianópolis é perigoso. Primeiro porque nós estamos num estado que tem ações totalmente conservadoras. Então, antes de analisar, só o fato de ser uma pessoa que defende pautas que são colocadas como de esquerda, já é perigoso.
Agora olhando pelo viés partidário não é fácil também ser de esquerda porque enquanto mulher dentro dos partidos a gente não escuta uma preocupação com as pautas das mulheres e também não tem espaço para esses debates. Há uma cultura do machismo na qual, infelizmente, as mulheres são referendados para cumprir cotas e isso é algo que está destruindo muitas mulheres, até porque nós vivemos numa capital é a terceira mais violenta do Brasil.
Além de toda essa cultura machista, a gente não tem partidos de esquerda (e isso não só em Florianópolis, mas em todo Brasil) dedicados a realmente defender as pautas das mulheres. Então, é desafiador ser de esquerda. Eu, particularmente, não gosto de tratar muito assim esquerda e direita porque a gente sabe que quando chega em alguns pontos de pautas a esquerda e direita se unem. É bem difícil se colocar enquanto de esquerda e direita.
Hoje sou filiada ao PSOL. Já fui filiada a um partido de extrema esquerda, mas mesmo assim todos têm seus problemas. Eu acredito que essa palavra esquerda ficou meio que banalizada no Brasil e, infelizmente, nós não temos um afinco e uma dedicação na hora de defender pautas de esquerda como faz a direita que se unifica para defender suas pautas, a sua ideologia. Dentro da esquerda a gente tem essa dificuldade. Então, é desafiador.
KAREN Antes da filiação partidária, você já tinha uma postura combativa? Como vc começou a se interessar por essas pautas?
INGRID Sobre minha atuação na militância eu começo muito jovem aos 15 anos, ainda no movimento estudantil pela luta relacionada às questões do meio ambiente. Eu morava em Manaus ainda e estava recém entrando na universidade. Então também fiz uma luta pela moradia estudantil na universidade. Fiz luta pelo direito a meia passagem. Fiz algumas lutas em defesa da educação já no final do ensino médio, na entrada da universidade.
Nas questões relacionadas ao movimento indígena eu começo a me envolver mesmo quando eu me torno a coordenadora-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação aqui em Santa Catarina da Regional São José, que é uma das maiores regionais do estado. Cheguei a dirigir mais de 60 escolas. A gente tinha uma base de mais de 10 mil professores nessa região. A gente também tinha as escolas com ensino diferenciado, que eram as escolas nas aldeias indígenas. Eu começo a ter relação com o movimento indígena por meio da educação, claro, passando pelas lutas que não deixam de estar ligadas como a questão da demarcação dos territórios, a questão da saúde indígena e as demais pautas que o movimento traz como a reivindicação do cumprimento do artigo 231 da Constituição Federal. Começo a me envolver, começo a ter uma relação muito mais efetiva com as lideranças estaduais e as lideranças nacionais do movimento indígena. Me envolvo nas mobilizações em Brasília, nos acampamentos Terra Livre. Cada vez mais eu vou me inserindo no movimento indígena. Isso a partir de 2016. Antes mesmo de entrar no PSOL. Anteriormente, eu estava filiada ao PSTU.
KAREN Você acha que se constroi na sociedade uma estrutura para que as pessoas não filiadas a partidos, por exemplo, sintam vergonha de ser de esquerda? E mais, não possam declarar sua posição em função de um trabalho, por exemplo?
INGRID Eu acho que devido essa polarização as pessoas têm dificuldade mesmo de declarar a posição porque muitas vezes a dita democracia que a gente vive não é respeitada. Ainda mais na atual conjuntura onde a gente tem uma guerra de ideologias. A classe trabalhadora sempre fica pressionada para se manter no seu trabalho porque é o seu ganha-pão. É a única forma que você tem de trazer comida para casa e pagar o seu aluguel, ou seja, tem que sobreviver nesse mundo. Com certeza é nessa guerra de ideologia, claro, que os trabalhadores saem perdendo dentro desse sistema que foi criado somente para explorar os trabalhadores. Então fica cada vez mais difícil declarar uma posição em locais de trabalho, devido a essa guerra ideológica que infelizmente temos nesse país que é liderado por um presidente que defende uma ideologia na qual a democracia não é respeitada, onde somente uma ideologia prevalece.
Tem também a questão da estrutura partidária que não dialoga com as pessoas não filiadas, acredito que a gente vive uma polarização na política e também algumas ações que infelizmente vendem figuras que são filiadas a partidos de esquerda que com certeza fazem as pessoas não quererem falar realmente sobre política. Isso é muito preocupante. Porque a gente sabe que tudo na nossa vida é político e que as atuações das pessoas envolvidas nos ambientes institucionais também devem ser voltadas à melhoria da vida da classe trabalhadora. Infelizmente, quando não há essa postura por parte de pessoas que ocupam espaços institucionais, com certeza, essa polarização aumenta e com certeza a sociedade vai querendo ficar cada vez mais longe da política. Isso devido a essas ações de alguns sujeitos que já estão ocupando esses espaços institucionais.
KAREN Como esquerda e direta tratam pautas relacionadas às mulheres, por exemplo?
INGRID Olha... Há uma diferença sim. Até porque a direita ela é antifeminista, trabalha com isso dentro da sua ideologia, mas na questão de tratar, fazer discussões, elas acabam tanto direita quanto esquerda meio que ignorando esses temas. É bem preocupante como eu já tinha colocado antes. A gente precisa fazer, com certeza, que a esquerda discuta na prática o que é o feminismo e com mais firmeza.
Eu acredito que isso parte também, claro, de uma movimentação, de uma pressão de nós mulheres dentro dos partidos para a gente não ser mais do mesmo, para a gente não ser usada, infelizmente, só para as cotas e para que o partido possa tirar algum benefício, mas continuar privilegiando homens brancos héteros que são os que tem mais regalias na hora de ocupar os espaços. A gente busca uma diversidade dentro da política e a esquerda precisa se diferenciar nesse ponto. Ainda não consegue efetivar isso na prática. É algo que a gente precisa trabalhar para melhorar.
Precisamos cobrar as direções, disputar as direções também para que de fato a gente consiga trazer essas discussões à tona na esquerda. A direita ela faz muito bem isso com a sua pauta antifeminista e acha até outro nome. Eles tratam como pautas femininas. Nós, mulheres feministas, achamos que não basta apenas ser mulher. Tem que realmente defender pautas que mudem a vida das mulheres para que, de fato, elas possam exercer, por exemplo, o feminino. Nem isso nós temos o direito enquanto mulher.
Não basta apenas ser mulher. A gente tem que eleger mulheres e fazer discussões realmente voltadas a atender as mulheres trabalhadoras e isso inclui toda a diversidade de mulheres que a gente tem no nosso país e que são cada vez mais prejudicadas com a falta de trabalho, com a inflação altíssima que a gente está vivenciando agora, com a falta de moradia, com a falta de assistência social, com falta de saúde, de segurança.
São muitas pautas que a gente tem e que precisam ser debatidas a fundo, até porque nós somos 52% da população, somos a maioria também no eleitorado. A gente precisa, de fato, trazer esse debate à tona para que na prática se possa conseguir eleger mais mulheres, para que a população consiga entender que devemos estar nos espaço institucionais.
KAREN E vc? Por que a vida acabou trazendo você pra cidade?
INGRID Eu sou nascida em contexto urbano. Eu já morei em contexto de comunidades ribeirinhas, mas nunca morei dentro do território indígena. Já vivi próximo. Os meus filhos já estudaram na escola de ensino diferenciado aqui no território Morro dos Cavalos, na aldeia Guarani. Mas nós nunca moramos dentro do território. Eu moro na cidade.
KAREN Quero falar um pouco sobre artesanato, um tema que gosto muito (que me fez reagir frente às dificuldades e falta de trabalho na pandemia) e que para as comunidades indígenas é fundamental. Em meio a tanto produto industrializado, como você vê essa questão?
INGRID A questão do artesanato é um assunto que está relacionado à cultura de cada povo indígena. Cada povo vai trazer um trabalho diferente, tem uma cultura diferente, até porque são 305 povos que falam 274 línguas diferentes.
Cada um tem um trabalho especial, né? Então, além de hoje ser uma fonte de renda para os povos indígenas é uma forma de perpetuar a cultura, de lutar contra o etnocídio. É feito um trabalho dentro das comunidades para que esses trabalhos manuais e a cultura permaneçam vivas porque, infelizmente, a gente ainda vive sob a questão da colonização.
Os pais, os mais velhos ainda têm muita dificuldade de fazer com que esse trabalho seja contínuo até pelo avanço do desmatamento, o avanço do agronegócio, o avanço do garimpo, fazendo com que as pessoas tenham que sair das suas comunidades e muitas vezes não tenham a oportunidade de aprender com os mais velhos sobre trabalhos manuais e o artesanato.
É importante conseguir permanecer com a cultura, passar todo esse conhecimento, ou viver disso. A gente incentiva muito que os não-indígenas começem a conhecer mais de perto. Saber o que são esses trabalhos, a importância para o sustento das famílias que vivem nas comunidades. É importante que cada pessoa que adquire uma peça, um desses trabalhos possa saber a história. O que significa para a comunidade? Que comunidade você está ajudando a ter sua independência financeira. Qual comunidade você está cultivando a cultura. É importante passar essas informações para frente.
No meio dessa quantidade de produtos industrializados é importante também tomar atenção para realmente saber se esses trabalhos manuais artesanais estão sendo feitos pelas comunidades indígenas. Porque hoje a gente vê muita reprodução em larga escala se apropriando de uma narrativa dos povos indígenas, mas que, na maioria das vezes, não são produzidas pelas mãos de artesãos indígenas. Essa é uma preocupação que cada pessoa deve ter.
KAREN Desde quando você se lembra de se preocupar com as causas sociais?
INGRID Minha mãe conta que eu me mostrava uma liderança desde de muito criança. Quando eu era adolescente lembro de sempre estar envolvida em trabalhos voluntários e ações em defesa do meio ambiente.
Uma coisa que me marcou na luta são as injustiças, todas as formas de opressão e preconceito. Quando comecei a notar me deu uma vontade de mudar tudo isso.