Existir é perceber. Não existe vida chata, existe direção de arte ruim. Explico. Devia ter uns 11 ou 12 anos quando li o primeiro livro do Diário da Princesa da Meg Cabot, no meu antigo quarto, com paredes pintadas de dois tons de azul em ondas, imitando o fundo do mar. Lembro como se fosse hoje da sensação de abrir o livro de capa rosa, coturno preto e tiara, escrito na primeira pessoa do singular. Da imaginação que Mia Thermopolis, a protagonista, despertou em mim. A menina patinho feio, com uma mãe artista maluca e um amor platônico no irmão da melhor amiga, que foi se descobrindo e enfrentando as dificuldades inerentes de ser uma adolescente, tirando claro, o fato nada comum de se descobrir herdeira de um trono em Genova. |
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Enfim, questões de representatividade e conceitos que envelheceram mal à parte, a identificação com a protagonista e seus dilemas engraçados e sarcásticos - mesmo num panorama em que a sua vida estaria resolvida por motivos de PRINCESA - me encantou. Mia seguiu vivendo, estrelando uma série de livros contando a saga da princesa-plebeia nos mais diferentes contextos e desafios. Obviamente, li todos. E vivi todos profundamente. Meu encantamento foi tamanho que cheguei a rascunhar um livro próprio, no mesmo formato de diário, no computador jurássico de casa, numa época que a internet literalmente gritava para se conectar. Um pouco mais velha, devia ter uns 14 anos, li "Depois daquela viagem". História autobiográfica. Valéria narra como contraiu e como é sua vida após a AIDS. Eu mergulhei naquela história. Sequer tinha vivido qualquer relação íntima ainda e já "colecionava" uma experiência muito pesada e verdadeira sobre as realidades da vida. |
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Colecionei, porque mesmo sem experienciar de fato, meu cérebro, assim como o seu, não faz a diferença entre essa percepção de realidade vivida ou contada. São os sentidos que contam. Essa "biblioteca inicial", que também pode ser chamada de repertório, é composta de não só livros, mas tudo que alimenta nossos sentidos: filmes, músicas, fotos, conversas, a cultura. Ela molda nossas ideias, pensamentos e interpretações sobre os fatos, é o nosso famoso filtro. Bem verdade é que as Informações, por si só, não carregam significado intrínseco nenhum. O nosso cérebro é que dá sentido a elas. A realidade são apenas ideias impressas nos nossos sensores, que usam a amostra da nossa "biblioteca" para ver a forma como vamos perceber o que acontece. E dá para entender a importância disso? |
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Repito. O significado vem dos nossos sentidos, que são formados de experiências passadas. Ou seja, a maneira como recebemos e organizamos nossas percepções no passado acaba determinando como vamos interpretar os acontecimentos do futuro. O que deixa tudo mais maluco ainda é que nosso repertório só amplia de fato quando o cérebro identifica mudança, diferença ou contraste. Por isso é tão importante ter referências fora da nossa zona de conforto, nem que essa vivência seja por livros, uma série ou uma conversa com alguém desconhecido da nossa bolha. Só conseguimos realmente enxergar fora o que já temos dentro. Por questão de economia de energia e celeridade na resposta (nossa sobrevivência primária dependia disso), o cérebro usa da estatística para criar uma interpretação de algo. Em segundos podemos criar um pensamento preconceituoso e generalizador com nosso escasso repertório. E o que repetimos mais vezes vira o padrão. A grande virada é que sabendo disso, podemos inventar interpretações que facilitem a nossa vida. E adivinha? Só temos novas e melhores interpretações se temos um maior repertório. Afinal, não sabemos o que pode ser melhor, até descobrir. Não sabemos que estamos no escuro até acenderem a luz. Nos forçando a mudar o significado de informações que estamos tendo no presente repetidamente, temos, portanto, o poder de mudar a estatística de interpretação "padrão". Mudar o futuro do nosso passado. |
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E o que tudo isso tem a ver com Mia Thermópolis e a Valéria, querida? Ambas, assim como tantos outros livros e filmes que eu consumi, são protagonistas da sua própria vida. E lá na minha biblioteca inicial, isso fez com que eu já moldasse desde cedo a percepção de que a minha vida é um livro e eu sou a protagonista das minhas ações. O bagulho é doido, mermo. Eu sou a minha heroína, que enfrenta desafios, que tem partes boas e ruins, que vê sua a vida um pouco de fora também. Todos são capítulos que quero tornar os mais "bonitos" ou talvez "poéticos" o quanto possível. Quero me orgulhar da minha narrativa, quero que tenha significado. Isso tudo sem que eu sequer notasse, veja bem. Já é o meu padrão. Outros repertórios diversos durante a vida, como o curso de Direito, o qual tem como premissa do trabalho A BUSCA DE PROBLEMAS (para resolvermos), tornou o meu sensor-interpretativo-automático pessimista e vitimista com o tempo (mas sempre protagonista!). Foi com o aumento da minha biblioteca de referências que consegui impor a invenção de uma realidade que eu queria. De uma pessoa muito mais resiliente e otimista do que alguns anos atrás. Virou meu padrão. Mesmo tardio é possível. O cérebro é incrível. Essa é uma das formas mais lindas que eu descobri a real importância de nos movimentarmos, de sairmos do lugar comum, das mesmas ideias, do mesmo pensamento, de buscar novas fontes, ainda que com o peso da incerteza e do risco de tudo isso. Quanto mais rica a nossa biblioteca, mais realidades bonitas conseguimos criar, mesmo nos momentos extremamente difíceis. O desvio de percepção - também identificado como bancar o editor da sua vida - faz com que nos adaptamos melhor, sejamos mais resilientes e, claro, criativos. Tudo pode ficar mais interessante. Se a vida estiver chata, lembre-se, é apenas um capítulo da sua história. A volta por cima vem na próxima virada de página. Basta você querer contá-la. |
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>> DIARIN • Frase do mês "Ver é muito difícil, então você deve escolher o que ver e abrir mão do resto". Jordan B. Peterson em 12 Regras para vida. • Séries/filmes do mês: THIS. IS. US. (insira uma lágrima) |
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• Leitura do mês: 12 regras para a vida (do autor mencionado acima). Estou lendo concomitantemente Comunicação não violenta e a Coragem de ser imperfeito (pelo Grupo Criativo). • Podcast do mês: Para os viciados em leitura, Minha Estante Colorida, da Ligia Fascioni. Inclusive um foi a inspiração para o texto de abertura. • Vídeo do canal do mês: Omelete cremoso/francês! Um vídeo rápido e que transforma a forma que a gente prepara esse ingrediente tão maravilhoso (adeus ovos duros e esturricados!). Estou bem feliz que estamos com mais 800 inscritos de forma orgânica! A meta agora é chegar em 1.000 antes do primeiro ano (aproveita e já compartilha com alguém que ainda não tá inscrito e ia curtir o conteúdo) |
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• Novidade do mês Finalmente vou lançar meu curso de fotografia online. Foram literalmente anos de pesquisa e, claro, prática, para me sentir pronta para repassar muito do que eu aprendi. E vai ser lindo! Se você tem interesse em participar ou ter mais informações, se inscreve AQUI. Quem tiver na lista, vai saber de tudo antes (e vai ganhar de brinde 3 tipos de filtros/presets) para usar nas suas fotos, assim que eu abrir as vagas :) |
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Que venha junho e as festas juninas! DEUS NO COMANDO E JESUS NO BEBÊ CONFORTO! Beijos de lu(z) e até a próxima, Luísa Colombi/ Sra. Soul Baker que jura que vive num romance de Meg Cabot até hoje. |
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