Minibio por ele mesmo
Designer de som (UG Audio), doutor em história pela UFPR, músico, produtor, compositor, arranjador, professor do Curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR, integra o grupo FATO desde 1994, com o qual já produziu 9 discos, 13 espetáculos, 2 DVDs, 1 livro e vários videoclipes. Como designer de som, trabalhou em dezenas de produções, entre curtas e longas-metragens e séries para a TV.
ULISSES Primeiro desculpa a demora em responder. Não foi desleixo. Foi correria. Tive aula de manhã, reunião de colegiado de tarde, dei oficina do Fato, fizemos show à noite com o Fato. Foi barra pesada. E hoje tive aula de manhã também. Reunião do PT à tarde... Enfim...
KAREN ...Como sobreviver sendo esquerda no sul maravilha?
ULISSES Eu não sei se tem relação ser de esquerda e sobreviver. Enfim... Eu sou filho único, fui criado pelo meu pai. Sou filho de pais separados no começo dos anos 70, no interior do Paraná, cidade conservadora. Tudo errado. Meu pai era músico, eu ficava muito sozinho em casa. Levei sorte. Conheci pessoas interessantes. Olhava para a realidade da minha família e confesso que me dava medo de terminar igual, sabe? Enfim, uma galera ligada à música, boemia, né? Aquele tipo de vida ali... Tudo certo... Nenhum fazendo muita besteira... Não é nada disso...
Eu sempre fui músico, minha vida inteira. Nasci músico, né? E nunca planejei ser músico. Foi essa coisa natural. Para mim tocar era natural. Não era projeto de família, nada disso. É um DNA, mas eu reconheci a minha realidade muito cedo. Sabia que eu tinha que trabalhar, senão eu ia me ferrar. Não tinha como recorrer à família. Era o contrário. Eu que ajudei a família. Então, trabalhei no Banco do Brasil desde cedo. Passei no concurso. E aí isso, um pouco, me deu uma sustentação, uma garantia de vida até 96 quando eu me casei com a Greice (Barros) que é minha parceira de vida. A gente não é mais casado, mas a gente faz muita coisa junto, quase tudo junto... Eu saí do banco, né? E fui trabalhar só com música. Mas, assim, ó, o Fato nunca deu dinheiro para gente. Nunca pagou conta. Não tira mais, mas não paga.
Então a solução que encontrei foi dar aula. Fazer trilha para teatro também sustentou a gente muito tempo. A Greice tinha corais o que dava uma certa estabilidade, pouquinha grana, mas a gente tocava o barco e eu me defendia dando aula, fazendo bico, né? E fazendo trilha para teatro que não é constante.
Eu acho que sobreviver tem mais relação com a limitação de um campo de trabalho do que com o fato de eu ser de esquerda. Acho que quem é de direita, eu presumo, né, - quero distância dessa gente -, sofre das mesmas coisas, eu acho, né? Incerteza e insegurança no país que dá insegurança para todo mundo. Não é só para músico. Então, como vai ser o dia de amanhã, né? A gente não sabe.
Quando eu pedi demissão no banco, eu não tive mais nada com carteira assinada. Não tive nenhuma segurança. E aí a defesa foi fazer essas coisas, né? Tentar fazer tudo que eu podia para pagar as contas. Até quando eu fique casado com a Greice, a gente dividia tudo. Depois a gente se separou... Começo é sempre difícil, né? Depois de uma separação a barra sempre é pesada, mas, enfim... Comecei a dar aula, fiz mestrado e doutorado, também pensando muito mais na minha segurança, na minha velhice, vamos dizer assim, do que qualquer outra coisa. Eu gosto da academia, mas o fato de eu ter estudado foi também porque, como eu falei pra você, não tenho família rica, aliás, agora não tenho mais ninguém. Não tenho irmão. Meus pais já morreram. Eu tenho uns amigos a quem recorrer. Mas fora isso não tenho nada...Isso sempre me preocupou, sabe... Muito mais pela minha velhice, que agora já chegou. Tenho 56 anos. Já estou pensando seriamente em como eu vou viver, como eu vou sobreviver porque as pessoas morrem, né? (riso de triste constatação). Se eu não morrer de susto, de bala, de vício como diz o Gil... Eu tô preocupado, né? Tô pensando há muito tempo como é que eu vou terminar os dias. Então a academia entrou um pouco nisso. Depois que fiz doutorado, os cursos que eu dei, essa incerteza diminuiu um pouco. Você passa a ser um pouco mais requisitado, ganha um pouco mais nesses cursos de pós-graduações, mas ainda são coisas esporádicas.
Então acho que é isso. Eu aprendi a viver com a insegurança das opções que eu tive na vida, das escolhas que eu fiz. Às vezes, eu sofro as consequências disso de uma maneira mais severa e às vezes não, mas insegurança eu tenho todo tempo até hoje, desde que eu me conheço por gente. De vez em quando enche o saco, mas é a vida que eu escolhi né?
KAREN A estratégia foi estudar...
ULISSES Sim... Aprender fazer um monte de coisa para não ficar dependendo de uma coisa só. Isso no campo das artes. Eu trabalho com cinema. Faço som. Eu não gosto de fazer música para filme. Meu trabalho musical é com o Fato. Ali que me realizo, me dei bem, tive sorte. Conheci uma pessoa que é meu amigo de infância... O principal nome ligado a pós em som no Brasil hoje tá em São Paulo e eu aprendi com ele. Ele me ensinou tudo. Fiquei cinco anos lá com ele no estúdio, trabalhei um pouco nos projetos dele. Isso mudou a minha vida também. São essas estratégias: eu aprendi a fazer som para cinema, continuo fazendo trilha para teatro e depois, claro, eu comecei a dar aulas nos cursos de pós-graduação. E com o doutorado algumas portas se abriram também, né? Mais com o doutorado. O mestrado também, mas o doutorado depois abre mais efetivamente. Eu dou aula na FAP (Faculdade de Artes do Paraná). Sou PSS e, de dois em dois anos, eu tenho que fazer concurso como se fosse um concurso efetivo. Mas eu não sou funcionário público. Tenho todas as incertezas, aquelas todas que eu tive a vida inteira, né?
KAREN A música ajuda?
ULISSES Eu não tive opção. Nasci músico. Eu fui bancário. Mas eu sempre tava tocando. Eu sou professor, mas eu sempre tô tocando. O Alessandro Laroca, aquele cara que eu falei para você que me ensinou tudo, que é o principal nome da pós-produção de som no Brasil, ele é um gênio na música. Eu falo assim: eu não sou genial em nada, eu trabalho bastante. Eu tenho dificuldade, demoro para aprender as coisas, mas eu me esforço muito. Sempre fui dedicado, organizado no trabalho. Eu sou muito prático. A música... Ela faz parte de mim. Ah! Eu tava falando do Alessandro... Quando ele começou a fazer, a trabalhar com cinema ele abandonou a música. Ele é um gênio, tocava tudo quanto é instrumento. Tocava tudo bem... E ele falava... Você vai ter que parar de tocar. E eu falei: não vou parar de tocar. Hoje é sábado, oito horas da noite... Tô aqui no estúdio, trabalhando. Mas eu não vou parar com a música. Nunca nada vai me fazer parar com a música. Eu amo cinema, mas não tá em questão. Nem pelo cinema, nem por qualquer outra coisa eu paro de fazer música. Isso não é uma opção. O dia que eu parar eu morri.
Tem uma letra que o Antonio Saraiva, um amigo de muito tempo do RJ, fez para uma música minha. E eu tava numa crise, falando o que eu tô falando pra você. Tava sofrendo pela música, pelas escolhas que a gente fazia. E daí ele botou na última frase da música: lembras do dia em que a música não te deu paz. Às vezes, Karen, a música não me dá paz, às vezes, ela me dá a maior felicidade do mundo. Mas é assim a vida, né? Eu não reclamo, certo? A música é o que é. Às vezes, é um inferno pra mim e, às vezes, é o céu, mas eu vou continuar vivendo com a música até o último dos meus dias. Não tem outra opção. Mesmo que tivesse, eu não teria.
KAREN Qual é o nome da música que o Saraiva fez a letra?
ULISSES É Odisseia, do terceiro disco. Tem que atualizar as informações digitais e os meta dados por isso não está disponível na nossa mídia digital... (Ele enviou o a música, mesmo assim. Eu ouvi, mas não consigo reproduzir aqui para vocês. Só indo no show e pedindo para ele cantar... Vale a pena.)
KAREN Tem como ser artista e não ser de esquerda?
ULISSES Karen, tem uma porrada de artista que é conservador para caralho, que não é de esquerda. Muitos. Amigos... Ex-amigos meus... Da música tem pra caralho... Artes visuais um monte, de teatro menos, mas tem... Dança tem. É um mito que a gente precisa vencer que artista é tudo progressista. Não é. Mentira isso. Eu não vou falar nomes aqui para não me comprometer. Mas, claro que tem como ser artista e ser de direita, conservador. Temos muitos exemplos aqui em Curitiba e no Brasil inteiro. Poderia fazer uma relação de pessoas famosas que votaram no Bolsonaro. Famosas. Então, vamos sair desse lugar porque esse lugar é uma mentira. Artista não é sinônimo de progressismo, nem de humanismo. Não é, lamentavelmente, não é.
KAREN Ainda mais aqui em Curitiba...
ULISSES Isso. Mas tem artista conservador em todo lugar. Uma merda. O sul é muito conservador em quase tudo, mas o que é o centro-oeste? E o sudeste, sobretudo, o interior de São Paulo. Enfim, não sei se o sul é a raspa do tacho. rs
KAREN Porque você é de esquerda?
ULISSES Sou de esquerda porque, quando eu tinha 16 anos, eu conheci um cara, o Justino, que nunca mais encontrei na minha vida. Ele me levou para uma passeata em Castro, que é uma cidade conservadora para cacete. Eu fui numa passeata - que tinha umas 10 pessoas -, com uma bandeira do PT na mão. Isso era 1982. O PT tinha acabado de nascer. Eu nem sabia o que eu tava fazendo ali, mas eu queria ser o Justino. Eu olhava para aquele homem que era um homem admirável e eu queria ser ele. Nunca tive vergonha de querer ser outra pessoa. Antes eu queria ser o Alessandro que era um amigo meu, daí eu queria ser o Justino. Depois eu queria ser o Volnei, depois eu queria ser a Greice... Enfim... Eu sou um pouco de todas essas coisas, dessas pessoas que olhei e admirei, profundamente, e quis ser um dia.
Então, por isso que eu falo para os meus alunos: eu sou uma farsa. Sou resultado de tudo que eu li e aprendi com outras pessoas. Tem pouco do que é meu mesmo aqui. Então, eu sou de esquerda por causa disso. Eu sempre quis ser essas poucas pessoas que fazem o mundo ser um pouquinho menos triste ou um pouquinho mais feliz. E porque tem uma frase do Marx que também é super importante... Ele disse com 12 anos: a nossa vida não tem sentido se não for pelo bem comum. Por conta dessa frase, eu também justifico a minha posição de esquerda.
KAREN Você coloca a luta social na arte...
ULISSES Claro. Coloco em tudo. Na pandemia a gente fez uma série de lives no youtube do Fato com pessoas que a gente gosta, admira, né? E aí o Alexandre Nero falou um troço... Ele falou assim: é impossível passar pelo Fato sem se tornar comunista. Claro que ele exagerou no conceito... Não é comunista... O Fato - que é o trabalho da minha vida -, é um lugar onde eu me encontro... Lá não tem espaço para neutralidade ou direita. No Fato as pessoas são de esquerda. Meio conservador não entra no Fato. O Fato é também um laboratório da cidadania, da convivência. É uma espécie de família onde as pessoas colocam quase tudo delas mesmas. Angústias, desejos, paixões. Às vezes, tem atrito, mas, na maioria das vezes, a gente resolve com muito afeto. O atrito também gera afeto, né? Então, meu trabalho artístico, cuja representação maior é o grupo Fato, está repleto de política.
KAREN Arte tem lado? Ou pelo menos deveria ter?
ULISSES Vou falar para você que existe um problema desse campo artístico... Para lembrar Bordieu... Ele criticou muito isso. A arte e a academia. Por que a arte teria que ter um lado ou não teria que ter um lado? Os artistas são uma categoria de trabalhadores e trabalhadoras, então a arte está inserida num contexto social que vale para quaisquer outras atividades. Ela só tem um status que, neste momento, é reconhecido com um certo diferencial. Mas é só isso. Se voltar 300 anos na história, quem era o artista? Não era nada. Era um trabalhador como qualquer um. Também não gosto de colocar o artista ou a artista num pedestal. Eu não gosto. Eu não quero ser isso.
Tinha um cara que varria a rua do estúdio, o seu Sílvio (vivo falando dele)... Ele tinha uma compreensão sobre a complexidade do mundo! Ele estudou dois anos na escola, ele era semialfabetizado, mas tinha uma sensibilidade tão grande... Ele entendia o mundo de uma maneira muito mais generosa e completa do que a grande maioria dos artistas que eu conheço. O que é ser artista? Pode ser muita coisa, pode não ser nada, depende do viés. Vou falar da música que é meu campo. Ah, tá... Um puta instrumentista, beleza. Isso significa que é um grande artista? Pode ser um medíocre como pessoa, como ser humano, pode ser... Nossa tenho vários exemplos... Se a arte tem lado? Claro que tem. Progressista, conversador. Cabe tudo isso na arte? Claro que cabe.
Repito. É uma mentira essa do progressismo na arte. Nós não estamos com essa bola toda, nunca estivemos. A gente acha que tá, mas não tá e eu não tô menosprezando. Como eu falei pra você eu nasci artista... Então, não quero dar a ideia de que... Ah, o Ulisses tá falando mal. Não, não é isso. Eu só tô querendo nos colocar, os artistas e as artistas, junto com todas as outras pessoas. Tô vendo aqui na minha frente, pela janela um cara catando lixo aqui. O que me diferencia dele? Oportunidade. Só isso. Eu jamais vou me colocar acima daquele cara porque que eu sou artista, jamais. Ele tá catando lixo, Karen. A dignidade humana no caso dele não existe. Aí eu vou olhar e falar... Eu sou artista... Para. Não quero esse lugar. Eu renego esse lugar.
KAREN Fala um pouco da música do Fato. Como vocês colocam a luta social na música?
ULISSES Nossa tem muitos exemplos, nas letras, na forma, na estética. A gente tem uma música que é provocativa. O professor Marcos Napolitano, que é super famoso e tem uma produção importante sobre música popular e cinema aqui no Brasil, falou que o que a gente fazia não era canção. Eu falei: tá maluco? Por que não é canção? Não... É porque foge da forma, ele falou. O Fato apresenta outra proposta de canção.
A gente tem uma música inédita, que não está em nenhum disco e se chama Nhambiquara. A gente vai lançar um EP, acho. A música é minha, a letra é do Benito Rodrigues, companheiro da Greice Barros. É uma homenagem às populações originárias. É muito foda. A gente estreou esse show em Buenos Aires. Depois foi para Montevidéu. A galera urrava com essa música. É uma letra que fala de uma Nação Indígena brasileira entre centro-oeste e norte do Brasil... E a gente terminava falando: Fora Bolsonaro, no meio do show... Teve um casal em Porto Alegre que levantou, foi embora e reclamou. Então, a gente tá comprometido até o pescoço com as causas progressistas. Até o pescoço. Claro que a gente toma cuidado para não ser panfletário na arte de fazer música, mas a gente não esconde nosso lado. Nenhum de nós esconde. Jamais esconderemos. Jamais. Nem no palco, nem fora dele.
KAREN Como é essa outra proposta de canção?
ULISSES É que o conceito de canção é muito conservador. Tem que ter um refrão, tem que ter não sei o que e tal. Além do Napolitano uma outra pessoa importante também chegou a falar que o que a gente faz não é canção. Eu acho que é canção. As coisas são dinâmicas. O conceito de canção pode variar, ter alterações.
KAREN Não esqueça de me enviar as fotos...
ULISSES Tá bom, Karen. Vou ver o que tenho de mim. Mas, vou falar o que eu falei hoje de novo na sala de aula de uma disciplina que dou no sábado de manhã sobre indústria cultural na contemporaneidade. Escolhi uns textos super foda, uma turma bacana... E aí caiu o tema representação, foto. Aí eu vou dizer para você o que disse para eles e para elas. Eu desde sempre tirei poucas fotos minhas. Primeira vez que eu viajei para fora do país eu não ia levar máquina. Um amigo meu levou máquina e eu tenho fotos de tudo menos de mim. Depois fui pra Cuba, depois fui para França... Eu não tenho fotos de mim na Torre Eiffel. Eu tenho fotos que eu tirei da Torre. Em Cuba, tenho de Santiago, de Havana e tal, mas eu não tô lá. São sempre os meus olhares sobre as coisas. Isso não quer dizer nada mais do que tá dizendo. Eu não tiro fotos minhas. Nunca gostei de fotos. Nunca gostei das minhas fotos. Nunca quis tirar fotos minhas. Nunca quis estar nas fotos. Na Vigília Lula Livre – que eu ia, religiosamente, três vezes por semana... Fiquei quase dois anos indo lá... Mas, eu não ia na quinta porque na quinta era o dia das pessoas famosas, das visitas. Todo mundo ia na quinta pra tirar foto com os famosos. Eu nunca fui. É um estilo. Eu não quero estar. Eu não sou isso. Eu não tenho muitas fotos minhas. A não ser aqueles que alguém tirou de mim e quase sempre no palco.
KAREN Você falou que tá dando aula sobre indústria cultural. Deve falar do cinema, da música que são suas áreas de atuação. Posso incluir o artesanato também?
ULISSES A música é o segmento artístico consolidado na indústria, né? Porque o cinema depende de financiamento público aqui no Brasil. Não é bem indústria. É, mas não é. Tem uma discussão no mundo inteiro sobre os incentivos, subsídios públicos aos ramos industriais das artes que são extremamente importantes para a gente disputar com essa frente avassaladora que são que são os players, as grandes gravadoras, os grandes estúdios, a grande indústria do cinema e do audiovisual que é dominada pelo capital, pelo interesse econômico. Tem uma luta, né? Você falou do artesanato... É importante disputar narrativas. Não sou eu que falo isso. Bordieu já falava, Canclini, Renato Ortiz, Chin-tao Wu, uma sul-coreana super importante, também falam isso. O mundo inteiro fala disso: é importante que os estados invistam em políticas públicas, mesmo para os ramos industriais, para conter essa onda avassaladora do capital que tá aí na indústria cultural. Indústria cultural é um troço foda porque daí tem investimento público que subsidia produções artísticas independentes (com um milhão de aspas) que vão disputar espaço na indústria cultural. Também a gente precisa discutir. Não é fácil isso, mas é extremamente legítimo, necessário a gente pensar nessas janelas, na televisão, no streaming do cinema, da música para a gente disputar com os players, com o capital internacional. E a única forma de haver alguma possibilidade de disputar é com investimento público, mas tem muita coisa a pensar sobre isso. Eu tenho um texto publicado, eu tenho um livro publicado sobre isso. Não dá para resumir em três minutos.
KAREN Dá medo de a arte ficar aparelhada. Se já não está. Sertanejo, agropop.
ULISSES Sim dá. O estado tá sendo gerido por “nossos” escolhidos pelo voto. O atual governo é, de certa maneira, um espelho do que somos.
KAREN E essa aproximação do PT com a direita? O que se tornou a esquerda?
ULISSES Claro que há disputa na esquerda, mas na esquerda não pode haver calúnia, não pode haver golpe baixo, não pode haver traição. Isso é outra coisa. Então eu acredito sim que a esquerda deve aglutinar pessoas de bom coração, as pessoas que querem um mundo humanitário, fraterno, mais compreensivo, inclusivo que respeite as diferenças de gênero, de sexo, de raça, enfim, todas as diferenças. Nesse sentido, ser de esquerda é ser progressista e vive-versa. Sobre a esquerda se aproximar da direita, em 2002, na época em que o Lula divulgou A Carta ao Povo Brasileiro, eu tinha ido no PT me desfiliar. Estava no PT o falecido Antônio Claret GualbertoKlaret e o Roberto Salomão que era, então o presidente do PT. Eles não deixaram. O Salomão disse: vai para casa, não aceito. Eu disse: você não tem que aceitar. E ele repetiu: não aceito vá para casa esfriar a cabeça. Eu não me desfiliei por causa da Carta Aberta ao Povo Brasileiro. Eu passei criticando os governos do PT desde então... Quando aconteceu 2013 eu vi a cagada, um pouco antes, quando surgiu o mensalão, já vi para onde a coisa estava se encaminhando. Então... Eu sou filho de família pobre, sempre fui pobre eu estou agora com 56 anos... Te falei da minha aposentadoria, que eu vou ter que trabalhar até o final da vida porque o país está destruído, não tenho filho, tô fodido em termos de perspectiva. Eu sei que nós esquerda dissemos: não passarão em 2005, destruíram a vida do Zé Dirceu e quase destruíram a do Lula... Em 2013, falamos não passarão, passaram. Em 2014 quase passaram. Em 2016, a gente falou não passarão, passaram. Em 2018, a gente falou não passarão, passaram. Então, eu sei que nós da esquerda não podemos tudo que achamos que podemos. Não sei qual a solução pra isso, Karen. (uma voz tão desolada do Ulisses aqui...). Mas eu sei que nós temos que tocar o barco, vamos ter que construir um país mais solidário, um mundo mais solidário, mais humano e mais fraterno. Nós não temos todas as forças necessárias. Espero que você interprete como você quiser essa minha frase. Como diz o Lula... O sonho do Lula é governar um país com 50 deputados do PSOL, 50 do PT, 50 do PC do B,mas não temos isso... E daí vamos fazer o quê? Não temos isso, Karen. Eu não sou político, deixo pra que você fale. Eu não sei o que pensar. Esse é um problema para gestores, eu não vou de maneira nenhuma criticar a movimentação, por exemplo, que o Lula tá fazendo agora pra tentar salvar o nosso país. Por que é literalmente o que ele tá fazendo...Tentando salvar o nosso país. E não há outra pessoa. Quem quiser criticar isso que critique. Eu não vou criticar.
KAREN O que que eu vou dizer que você já não disse? Agora só vem rima. Também não sou política, nem gestora, nem doutora. Só na salmoura pra ver se me conservo sem um fio de boa cobertura de aposentadoria. Tzzzzz. Fio só desencapado. Só nó para nós. Acorda , desacorda. Joga corda, joga corda. E essa horda de eus, eus, eus? Melhor voltar para a música que você fez com o Benito... A que você falou lá em cima. Cantarola um pedacinho da Nhambiquara...
ULISSES Não. Jamais. Hahaha. Eu te mando a letra.
KAREN Quer fazer surpresa, né? A letra é bonita.