Este trabalho apresenta a síntese das fundamentações teóricas, metodologia e resultados de uma investigação qualitativa naturalística de um processo de musicoterapia grupal, de um grupo formado por 6 indivíduos, pré-verbais, com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) com idades entre 8 e 14 anos, que associou musicoterapia músico-centrada à músicopsicoterapia.
O processo de pesquisa teve duração de 16 sessões ocorridas ao longo um períodode 4 meses.
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e Musicoterapia
Musicoterapia tem sido utilizada como método de tratamento com pessoas com TEA desde a década de 60 e diversos estudos e artigos têm sido publicados sobre o assunto. Países de diversas partes do mundo têm se envolvido na clínica e na pesquisa acerca do uso da música com a pessoa com TEA. Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina, Itália e Coréia são alguns exemplos.
A frequência de publicações sobre este tópico aumentou nos últimos 20 anos. Por exemplo, o Journal of Music Therapy (periódico publicado pela Associação Americana de Musicoterapia) publicou somente sete artigos sobre musicoterapia e autismo entre 1964 e 1990. Isto equivale à uma média de um artigo publicado a cada quatro anos. A partir da década de 90, no entanto, esta média aumentou de um artigo publicado a cada dois anos.
Em uma recente investigação, realizada pelo autor deste estudo (2012), com clínicos brasileiros, foi constatado que a aplicação da música com a pessoa com TEA é bastante praticada pelo musicoterapeuta clínico brasileiro. Os terapeutas que participaram deste estudo indicaram trabalhar com a população de pessoas com TEA mais do que com outras populações(n=16; 23,8%).
Pergunta da Pesquisa
A pergunta de pesquisa, e suas subquestões, que será apresentada nesta publicação é aseguinte:
Qual a natureza do processo clínico de um grupo de musicoterapia músico-centrado, associado à músico-psicoterapia, com pessoas com TEA?
Sub-questão 1:
quais os elementos que caracterizaram as dinâmicas inter- e intra-pessoais do grupo?
Sub-questão 2:
como ocorreu o engajamento dos participantes com a música em dimensões inter- e intra-pessoais?
Conforme mencionado anteriormente, para que estas questões fossem investigadas, o modelo naturalístico de pesquisa qualitativa associado ao design proposto por Smeijsters e Storm (1996) foi utilizado. O modelo naturalístico é baseado na crença de que realidades são múltiplas e que não há possibilidade para generalizações relacionadas a tempo e contexto. De acordo com Lincoln e Guba (1985), através do modelo naturalístico, algum nível de entendimento pode ser adquirido porém, o pesquisador não deve esperar por controle e previsibilidade. O objetivo desta investigação não foi o de estabelecer leis gerais mas a de investigar histórias de indivíduos à medida em que iam se desenvolvendo em processo grupal demusicoterapia.
O modelo pioneiro de Smeijsters e Storm (1996), base metodológica deste estudo, foi desenvolvido em 1989 e inclui elementos da chamada pesquisa de ação (action research) significando que é previsto que o processo de pesquisa exerça influência positiva no resultado do tratamento através da análise e discussão entre o pesquisador e os clínicos participantes. O modelo permite que o pesquisador se envolva com o processo clínico que está sendo investigado o que contrasta com outros modelos de pesquisa onde o pesquisador deve distanciar-se dos sujeitos investigados. Porém, o modelo oferece necessário distanciamento umavez que o pesquisador-consultor não exerce função de clínico. Como terceiro integrante da equipe de pesquisa, o pesquisador adiciona perspectivas, análises e ideias para o processo terapêutico que está sendo investigado.
Método
O design de pesquisa. originalmente desenvolvido por Smeijsters e Storm (1996), propõe que o pesquisador assuma a função de consultor dos terapeutas-participantes à medida em que o processo se desenvolve.
A coleta de dados consistiu em gravações das sessões em vídeo, diários de pesquisa, entrevistas com os terapeutas e escrita de partituras (material musical produzido no processo investigado) e a análise foi realizada via estudo das partituras, investigação do material filmado, e codificação, categorização e detalhamento de memorandos analíticos.
Resultados
Todos os participantes operaram, em termos de intra-relacionamentos, no primeiro estágio proposto por Greenspan e Wieder (2006):demonstraram interesse, curiosidade e iniciativa.
Em termos de inter-relacionamentos, foram capazes de operar no que Greenspan e Wieder (2006) consideram nível 2 de desenvolvimento: engajaram-se e conseguiram estabelecer relações.
Concluiu-se que a música apresentou uma função relevante nos processos de adaptação, tratamento e avaliação dos participantes.
Nota:
Figura de portada: MT André Brandalise em interação com criança com TEA em processo terapêutico